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TESTEMUNHO DA IRMÃ MARLY QUERMES

EM TEMPOS DE PANDEMIA DA COVID-19

TESTEMUNHO DA IRMÃ MARLY QUERMES  

Este foi o resultado do meu exame, esta postagem não é uma ostentação. Se dissesse que não estou feliz estaria mentindo, mas não significa que estou imune ao vírus. Como disse, se estivesse iríamos passar juntas. E as irmãs que estão infectadas não estão só, estamos em comunhão e se caso mais alguma vier a se contaminar, por que não estamos imunes, estaremos juntas, somos um só corpo. Devemos continuar fazendo nossa parte: isolamento social, uso de máscaras, higienização das mãos etc.

Neste período em que tudo parece fora do lugar, fora do alcance, o sentimento também parecem misturados. Não foi fácil esse período de espera do exame e me fez repensar em uma série de atitudes.

A primeira foi, ao ser isolada em uma sala na qual podia ver só os olhos das duas trabalhadoras resistentes, não sabia se era da administração/recepção, enfermeiras ou médicas. As roupas são semelhantes macacões brancos, cabelos cobertos, e três máscaras na face, uma sobre a outra. E eu reclamando de uma! Eles trabalham por até 48 horas assim.

Como foi no domingo, o número de funcionários e o horário, favoreceu que fossemos pouquíssimas pessoas. O sentimento de solidão é inenarrável.
Começa assim que você escuta: “se tiver com acompanhante ele só pode até aqui”. Quando ultrapassamos aquela porta, dá um gelo na espinha, as pessoas te guiam pela voz, “reto pelo corredor”, “abra a porta a direita”, “escolha uma poltrona”, “sente e não levante”. Sentia-me totalmente desprotegida. As suas coisas, desde os documentos, são entregues a você com sacos plásticos. São pequenos e necessários atos para tentar conter a pandemia, mas que vai aumentando o medo que já salta aos olhos. Até aqueles vídeos mais absurdos
a memória lhe faz recordar. Aquela fake news de uma senhora que se diz internada e assistiu as pessoas pedindo para não serem entubadas que
estavam bem e acontecia na marra. Que arrependimento de ter visto aquele vídeo!

O médico chamou meu nome. Não sabia se ia a uma sala a uns 8 metros de onde estava ou se cumpria a primeira ordem “não levante”.

O médico pede para eu narrar o que estava sentindo, depois fazer memória de onde estive… Só nesta hora, esqueci e deixei de sentir a frieza do local. Terminando, fui novamente conduzida a sala onde estava. “Sente na poltrona que você já estava”.

Sentir-me desprotegida me fazia pensar como deveriam estar as pessoas infectadas que estão internadas, que nível de contato tem? O quanto é importante tocar e ser tocada.

Foram horas de exames, de espera e de medicamentos.

Achar uma veia no meu braço parecia uma guerra, com várias tentativas até ser vencida.

Pensava o quanto foi pouca a valorização que dei aos profissionais de saúde, ouvia quando conversavam entre eles as histórias de seus filhos com avós, sogras, vizinhos… Da saudade de ter os filhos em casa.

Acaba que construímos um filme, dos momentos que fui relapsa e não usei a máscara, que poderia ter lavado melhor as mãos, que poderia ter me afastado… Milhares de coisas, até perguntas absurdas: Senhor, eu vou morrer?

Depois de horas, me enviaram para casa dizendo que preciso usar máscara 24h até o resultado sair, somente na terça feira. Um tanto de remédios (pneumonia por fungos), febre, dores nas costas e ao respirar.

Mas você sai dando graças a Deus, por estar aqui fora e ao mesmo tempo com paranoia, com medo de contaminar alguém.

A espera do resultado te deixa aflita e ansiosa. Fazendo reflexões do que ainda não fez, o que precisa consertar, será que haverá tempo? Você reza mais e dá a impressão que até aumenta a fé.

Essa espera me fez ver a pandemia com o olhar misericordioso do samaritano que viu, se curvou e cuidou…

Agradeço a Deus e rezo pelos profissionais de saúde e todas as pessoas que compõem as estruturas de atendimentos: guardas, serviços gerais, motoristas, pessoal da nutrição e cozinha, os técnicos(as) de enfermagem, as enfermeiras(o)s, médicos(as) enfim aos heróis desse momento.

Também rezo muito mais por todos(as) que foram infectados, aqueles que não conseguiram ultrapassar e hoje se encontram no colo de Deus. Assim também rezo com aqueles(as) e seus familiares, pelas terríveis dores que passaram e ainda passam.

E convido a todas(os) para que sejamos a voz dos que não tem voz. Muitos nem conseguem chegar nas unidades de saúde. De forma especial, as periferias onde a pandemia mata de forma desigual. Temos consciência que a fome é uma ameaça aguda, poucos estão aderindo as medidas de quarentena, não porque não querem, porque tentam suprir a fome de seus filhos(as).

Ainda temos que ter estômago para ouvir tantas asneiras como: “apenas” velhos e doentes vão morrer. Quem se importa com eles, não é mesmo? Ou do maior gestor do país: “e daí? ”, “não sou coveiro”, “lamento, mas fazer o quê? ”. Também não dá para esquecer o prefeito de Itabuna “morra quem morrer”.

É frente a esses absurdos e estando mais próxima da Covid-19, que reforço o convite a todas(os) para um levante de promoção a vida. Nessa doença os ricos têm respiradores e os empobrecidos, como já é, uma sentença de morte anunciada principalmente para as populações periféricas e povos indígenas.

Brasília, 8 de julho de 2020.