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Reflexão do XIV Domingo do Tempo Comum: Mc 6, 1-6 (Ano B) – Ir. Marcelo Barros, OSB

A Profecia que Incomoda e Parece Fracassar

Atualmente, vivemos em um mundo no qual notícias falsas (fake-news) parecem fazer mais sucesso do que a verdade. A publicidade que se repete exaustivamente convence mais do que qualquer argumento racional.

No campo da fé, o Mistério Divino só é perceptível pelo amor e não dá provas de si mesmo. Dá apenas sinais que podem ser acolhidos ou rejeitados. Muitas vezes, a profecia aparece como a palavra ou atitude de alguém ou de uma comunidade que age na contramão da expectativa geral ou do senso comum. Nessa perspectiva, a profecia é frágil. Carlos Mesters a comparava com uma flor sem defesa.

O evangelho de Marcos já tinha mostrado no capítulo 3 que os religiosos da sinagoga tinham rejeitado a profecia de Jesus (3, 6) e depois ele foi rejeitado pelos próprios parentes (3, 20…). Agora, no texto lido neste XIV domingo comum (Marcos 6, 1-6), o evangelho mostra que não é só a família mais próxima. São os próprios conterrâneos de Jesus em sua cidade de origem que o rejeitam. Mateus e Lucas dizem claramente que se tratava de Nazaré. Marcos não dá o nome da cidade. Mostra Jesus de volta à sua terra e sendo objeto de rejeição e descrença por parte de parentes e conterrâneos. Conforme o relato de Marcos, é a última vez que Jesus vai à sinagoga, e sua missão é um fracasso. Lucas conta a mesma coisa, quando diz que Jesus se apresentou na sinagoga de Nazaré (Capítulo 4, 16 ss). Em seu início, o quarto Evangelho diz: “Ele veio para o que era seu e os seus não o receberam” (Jo 1, 11).

Marcos não diz a razão pela qual Jesus foi rejeitado. Lucas afirma que na sinagoga de Nazaré, Jesus anunciou que a salvação de Deus é para todas as pessoas e não apenas para as religiosas. Afirmou que, apesar de que, na época, havia muitas viúvas em Israel, Deus tinha enviado o profeta Elias para socorrer uma viúva de Sarepta no estrangeiro. Havia em Israel muitos leprosos e Deus mandou Elias curar Naaman, o sírio. Foi essa insistência de Jesus sobre a relação com as pessoas de fora que tinha provocado a ira a ira e a rejeição da sinagoga (Cf Lc 4, 26-28).

O argumento ou pretexto usado para não acreditar nele foi o fato de que ele era uma pessoa comum. Diziam: “nós sabemos tudo sobre ele – Não é o carpinteiro, filho de Maria? Por acaso, não conhecemos seus irmãos e irmãs?”.

Na cultura daquele tempo, denominar alguém como filho de uma mulher e não mencionar seu pai significava que essa pessoa não era filho legítimo. Era, como se diz no meio do povo, um “filho da mãe”. Talvez até, ao mencionar apenas a sua mãe, o pessoal o estivesse abandonando a própria mãe-viúva, já que, como filho mais velho, ele deveria se responsabilizar por ela. O fato é que, visto de perto e assim a partir da sua realidade de parentesco, a profecia de Jesus é rejeitada. As pessoas se perguntam: De onde vem essa sabedoria? Para o tipo de fé que aquelas pessoas tinham, a imagem de Deus e do profeta não poderia ser assim tão simples e tão da vida comum. Eles imaginavam Deus presente nas coisas extraordinárias, mas não no dia a dia.

Aquela reação dos conterrâneos de Nazaré na Galileia a Jesus continua ocorrendo até hoje em muitos aspectos e questões. Há pessoas que rejeitam um político por ele não ter diploma de curso superior e criticam negativamente um pastor por esse não usar linguagem de doutor. Até hoje, há pessoas que distinguem religiões de primeira classe e religiões populares ou primitivas que não teriam a mesma dignidade de outras.

No meio da caminhada das comunidades, muitas vezes, pais e mães de santo, xamãs e profetas de tradições espirituais vivem uma situação econômica que os obriga a viver do seu ministério. Isso gera desconfianças e problemas. Nada tem a ver com uma religião de resultados ou a teologia da prosperidade que faz de Deus instrumento de negócios a serviço do pastor. É simplesmente a realidade humana que toma fisionomia concreta no plano econômico e social.

Conforme os evangelhos, ao se sentir em crise e sem credibilidade assegurada, Jesus se compara ao profeta Jonas. Assim como Deus falou e conduziu Jonas, mesmo se este era um profeta contraditório e frágil, também Jesus nos diz que se não aceitarmos os profetas e profetisas do povo, por causa de suas fragilidades, não teremos palavra de Deus.

O fracasso da profecia na instituição religiosa oficial não fez Jesus desistir da sua profecia. Em um mundo que parece se inclinar cada vez mais para a direita e para uma organização desumana da sociedade, a profecia da justiça ecossocial, da inclusão de todas as pessoas e culturas e da transformação do mundo parece irrelevante. Nas Igrejas, muitos setores do clero e da hierarquia parecem também apegados ao modelo eclesial da Cristandade. Não pode haver profecia se a perspectiva é manter uma Cristandade colonizadora, exclusivista e, no fundo, baseada no poder como sagrado e não no amor. Não adianta substituir as formas ainda vigentes de Cristandade de direita por uma nova Cristandade de esquerda. Ao substituir um autoritarismo clerical fechado e “de direita” por um autoritarismo igualmente clerical só que de esquerda, estaríamos de todo modo rejeitando a profecia de Jesus que pede transformação de modelo e não apenas trocar os móveis de lugar na mesma sala.

Assim como Jonas, são frágeis as comunidades que nos trazem a profecia de Deus. São movimentos populares, são comunidades de base e são os seus e suas representantes. Os Jonas de hoje somos nós mesmos, eu e vocês. Isso não pode ser dito para justificar nossas incoerências e defeitos, mas reafirma que Deus se serve do que é humano e mesmo do que é ambíguo para nos dar a sua palavra e nos alimentar com a sua profecia. A profecia tem a força do Espírito, mas em um corpo de barro, fácil de quebrar. Seja como for, para nós, não há outro caminho de busca da intimidade divina, a não ser na profecia. Vamos acolhê-la e vivê-la, mesmo em sua fragilidade.