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Reflexão do XII Domingo do Tempo Comum (Ano B) – Ir. Marcelo Barros, OSB

Reflexão do XII Domingo Comum (Ano B): Mc 4, 35-40 por Ir. Marcelo Barros, OSB

O Amor Divino nas Tempestades da Vida (Nossas e do Mundo)

Muitos(as) de nós fomos educados e educadas para associar Deus ao silêncio, à paz e à luz. Comumente, não se imagina encontrar Deus no tumulto e na escuridão. No entanto, ao se inserir em um mundo violento e tumultuado, Jesus nos revela que Deus também pode ser encontrado nas tempestades da vida, tanto as que ocorrem dentro de nós quanto as do mundo.

No evangelho de Marcos, existem apenas dois discursos ou fragmentos de discursos de Jesus. No capítulo 4, o discurso sobre as parábolas do Reino de Deus e, no capítulo 13, sobre o que as pessoas chamam de “fim do mundo”. Ambos os capítulos foram escritos em um contexto de crise e sofrimento da comunidade nos anos 70 do primeiro século, quando o evangelho foi escrito, e tratam de crises e sofrimentos de Jesus.

No capítulo 4, do qual ouvimos alguns trechos nos domingos anteriores, Jesus se defendia de ataques e da rejeição das pessoas e tinha de explicar por que o Reino de Deus parecia tardar. Conforme o texto do evangelho lido neste domingo (Marcos 4, 35-40), depois de contar as parábolas do reinado divino no mundo, Jesus vai com os discípulos para “o outro lado do lago”, um modo de indicar que é preciso “passar para outro mundo cultural”.

O lago da Galileia está localizado em uma depressão muito profunda, a mais de 200 metros abaixo do nível do mar, cercado por altas montanhas dos contrafortes da cadeia do Líbano e da Síria. Os árabes chamam esse lago de Ain Allah, o olho de Deus. Em geral, ele é calmo e tranquilo, mas isso pode mudar de repente. Após dias quentes, correntes de vento descem quase verticalmente das altas montanhas sobre o lago. Descem como aluvião sobre o espelho das águas e levantam ondas altas. Nessas situações, torna-se extremamente difícil manobrar um barco para alcançar a segurança no meio das ondas que, a cada momento, ameaçam afundá-lo. Às vezes, com a mesma rapidez, o lago volta a ficar tranquilo e pacífico.

Certamente, várias vezes, Jesus e os seus discípulos devem ter vivido essas situações de tempestades no lago. Sobre uma dessas vezes, o evangelho construiu essa parábola sobre como a comunidade cristã do Evangelho enfrentou os conflitos, divisões e sofrimentos internos e externos em meio aos tumultos e tormentas da vida.

Nesse contexto, a travessia que Jesus e os discípulos fazem de um lado ao outro do lago descreve um itinerário geográfico, mas também contém um significado simbólico. Geograficamente, Marcos situa os dois lados do lago de Genesaré (que ele chama de “mar”), assim como as duas margens do Rio Jordão, como fronteiras entre duas culturas ou realidades: do lado oeste, entre o Mediterrâneo e a margem ocidental do lago e do rio, ficava a Judeia, Samaria e Galileia, a terra do povo da Bíblia. Do outro lado (o lado oriental), ficavam as cidades estrangeiras e as culturas do Império Romano que dominava toda aquela região (Mateus os chama de pagãos).

Em termos históricos, essa distinção nem teria sido muito real. No entanto, o Evangelho a usa como recurso pedagógico. Assim, ao atravessar o lago (que o Evangelho chama de “mar”), Jesus vai de um mundo cultural e religioso a outro. Além disso, na cultura dominante na época de Jesus e dos evangelhos, “passar para o outro lado”, além de significar a abertura para outra cultura, tinha também um conteúdo antirracista. Para a cultura dominante, todo estrangeiro era considerado como alguém inferior. Nós, que vivemos em uma sociedade estruturalmente racista, precisamos retomar essa profecia antirracista do evangelho.

O evangelho fala de diferentes travessias, mas Marcos dá mais importância a duas histórias que ele conta em capítulos diferentes (Marcos 4, 35-40 e 6, 45-52). A primeira travessia teria ocorrido logo após o discurso sobre o Reino de Deus. Na Bíblia, a noite tem um sentido simbólico de trevas e escuridão. Provavelmente, o texto diz que chegou a noite para destacar que os discípulos não acreditaram naquilo que Jesus tinha proposto.

Nós também podemos fazer dessas passagens uma leitura simbólica das tempestades interiores e psíquicas que, muitas vezes, vivemos. Somos como os discípulos aterrorizados com as ondas. Enquanto afundamos, Jesus parece estar dormindo tranquilamente. Alguns salmos da Bíblia têm essa expressão: “Acorda, Senhor, porque tu dormes?” (Sl 44).

Parece que, no evangelho, essas cenas de tempestade no lago são contadas com as mesmas expressões usadas nas cenas de exorcismos (expulsão de espíritos malignos). Por exemplo, quando o texto diz que Jesus repreendeu (em grego: exsorcizzó) o vento e disse ao mar: Cala-te! Para o Evangelho, isso quer dizer que energias impuras, que muitas vezes podem tomar posse do interior das pessoas, também podem controlar a natureza. Hoje, muitos falam em libertar a terra, livrando a natureza dos demônios do capitalismo e da ambição humana.

Conforme Marcos, a comunidade enfrenta a tempestade ao decidir “passar para o outro lado”. É uma viagem para o desconhecido. Uma travessia na direção das pessoas de fora, um encontro com as outras pessoas, as diferentes das que encontramos sempre.

Atualmente, a Igreja Católica e, de certa forma, as Igrejas históricas estão em crise. Na Igreja Católica, grupos tradicionalistas culpam o Concílio Vaticano II pela crise. Nas Igrejas evangélicas históricas, alguns responsabilizam o ecumenismo ou o Conselho Mundial de Igrejas que, por abrir as Igrejas ao mundo, teriam provocado a crise.

Ao contrário, o Papa Francisco tem acentuado a urgência das Igrejas se abrirem à humanidade atual, acolherem todos os tipos e categorias de pessoas, e se solidarizarem com os migrantes e as vítimas do capitalismo no mundo. Ele revela que o que faz mal à Igreja é o clericalismo, bem como a cumplicidade com o poder e o que chama de “mundanismo litúrgico”, a superficialidade de um culto que se contenta com a formalidade externa e a idolatria do poder.

As iniciativas e propostas de renovação das Igrejas cristãs, provocadas pelo Movimento Ecumênico e pelo Concílio Vaticano II na Igreja Católica, provocam uma crise benéfica porque revelam problemas e doenças já existentes e conseguem, ao menos em parte, redimensioná-los.

No texto do evangelho que escutamos hoje, no meio da tempestade, os discípulos na barca percebem que Jesus está ali, junto com eles, mas dorme.

Seria bom que reflitamos sobre situações de tempestade e insegurança que já vivemos. Em situações assim, como a fé nos ajudou? Foi possível sentir a comunhão com Deus durante o enfrentamento dos problemas ou não? Que possamos, no meio das tempestades nossas e do mundo, escutar a Palavra de Jesus que nos traz Paz e Confiança.