O essencial em tempos de crise – Jo 15,1-8 (Ano B)
Neste 5º domingo da Páscoa, o evangelho proposto para nossa leitura é João 15, 1-8. É o começo da segunda parte do discurso de Jesus após a última ceia. Nestas palavras de despedida, Jesus afirma ao grupo de discípulos e discípulas que nada, nem ninguém, abalará a relação íntima que existe entre o Cristo e a comunidade. Ele sabia que iria partir dali para ser preso e que o grupo seria disperso. Mesmo assim, Ele propõe um modo de superar todas as crises e dificuldades: permanecerem unidos a Ele. É o verbo principal desta passagem do evangelho: permaneçam em MIM!
Para explicar isso, Jesus utiliza a alegoria da videira. Assim como o Iroko, a Gameleira é um Orixá para as comunidades do Candomblé, e a Jurema Sagrada é um sacramento para as culturas indígenas do Nordeste, e a Ayahuasca para muitas comunidades que praticam o Santo Daime, da mesma forma, para o povo da Bíblia e para os povos orientais, a videira é uma árvore sagrada. A videira é essencial na cultura de alguns países europeus e mesmo em algumas regiões do Sul do Brasil. No Oriente antigo, o vinho é a bebida dos deuses e tornou-se símbolo da aliança de casamento. Alguém contou que, na Bíblia, o termo videira e vinho aparece mais de duzentas vezes.
Em quase todos os textos, a videira representa o povo de Israel. O profeta Isaías tem um poema no qual o agricultor, que é Deus, se queixa de que, apesar de todo o seu esforço e cuidado com a vinha, ela só dá uva amarga ou não produz nada (Is 5). No Salmo 80, a comunidade lamenta que parece que Deus, o agricultor, abandonou sua vinha nas mãos dos saqueadores. O salmo pede que Deus venha novamente cuidar de sua vinha.
Na parábola do evangelho lido hoje, Jesus retoma essa alegoria para dizer três coisas:
1º) Ele, o Cristo Ressuscitado, é a verdadeira videira. O Pai é o agricultor e sempre foi o vinhateiro de Israel, e Jesus é a videira.
2º) Os ramos só têm vida se permanecerem ligados ao tronco da videira.
3º) Os ramos precisam dar fruto e os que não dão fruto secam e caem.
A maioria das pessoas que comentam este evangelho diz que Jesus substitui Israel. Ao afirmar isso, opõem o Cristianismo ao Judaísmo e ainda atribuem a Jesus esse pensamento preconceituoso que têm. Provavelmente, a comunidade do evangelho lembrou dessas palavras de Jesus numa época em que os rabinos da sinagoga expulsaram os cristãos. No entanto, mesmo assim, deixam claro que a polêmica de Jesus e da comunidade joanina é com o judaísmo do templo e o fundamentalismo dos rabinos da sua época e não com o Judaísmo em si. Isso é importante para evitar compreensão anti-ecumênica e, pior ainda, antissemita. Ao se definir como “verdadeira videira”, Jesus não se substitui ao povo bíblico. Ao contrário, identifica-se com o verdadeiro povo de Deus. Como hoje cada um de nós pode dizer: “Eu sou negro, sou índio, sou mulher…”
Neste evangelho, Jesus nos propõe permanecer. Os outros evangelhos afirmaram que o verbo do discipulado é seguir. O discípulo e discípula seguem Jesus. O quarto evangelho assume o seguir mas complementa: é preciso seguir e permanecer nele. Assim como os ramos da videira só são vivos se permanecerem ligados ao tronco. E essa relação tão íntima se dá através da Palavra “Se permanecerem em mim e a minha Palavra permanecer em vocês…”. Há uma palavra que a gente escuta e passa. A palavra de Jesus tem de permanecer em nós para que permaneçamos nele.
A terceira coisa que Ele nos diz é que a videira não pode ser apenas uma árvore bonita. Precisa dar fruto e só dá fruto se for podada. Na história, este versículo do evangelho provocou muitos problemas. Deu lugar a que as Igrejas excomungassem pessoas como galhos secos que não dão fruto. Na Idade Média, a Igreja queimou “hereges”, citando este evangelho. O herege seria o ramo que não deu fruto e, por isso, é tirado e jogado no fogo.
Na realidade, na alegoria usada pelo evangelho, o que Jesus diz é que se o ramo não fica ligado ao tronco, seca e, secando, cai e aí sim é apanhado e jogado no fogo. A advertência é que o ramo precisa permanecer unido ao tronco e dar fruto. O fruto serve como alimento, como bebida, como abastecimento e sustento da vida. Se a fé e a relação com Jesus não nos levam a essa eficácia de uma práxis que produz vida, é como um ramo que não dá fruto e seca. Jesus sempre havia dito que a glorificação do Pai, ou seja, o testemunho do seu amor no mundo, seria dado pela entrega da sua vida na cruz. A cruz seria o testemunho supremo da presença do Pai no mundo.
Agora, no último verso deste evangelho, Jesus diz que esse mesmo resultado (a glorificação do Pai) se dará pela fecundidade dos discípulos e discípulas: “que sejais fecundos(as) e vos torneis meus (minhas) discípulos(as)”.
Essa palavra é estranha porque Jesus estava falando a pessoas que, há tempos, já eram suas discípulas. Por que, então, diz: “que vos torneis meus discípulos”? Porque nós só somos plenamente discípulos e discípulas de Jesus à medida que fazemos o que Ele faz: dar a nossa vida uns aos outros e pela causa do amor de Deus no mundo: a justiça, a paz ecossocial e o bem-viver.
Ir. Marcelo Barros