O Dia Sagrado para a Desobediência Civil e a Libertação
Neste IX domingo comum, o evangelho Mc 2, 23-3, 6 nos conta o quarto dos cinco choques que, conforme a comunidade de Marcos, Jesus enfrentou com os representantes da religião tradicional. Dessa vez, o conflito é com os fariseus e parece que eles o provocaram. Antes, Jesus tinha se enfrentado com os sacerdotes (saduceus), depois com os escribas e agora com os fariseus. O evangelho resume essa polêmica através de uma controvérsia sobre a observância do sábado como dia sagrado e a questão do alimento.
É bom lermos esse evangelho à luz das polêmicas e controvérsias que temos hoje, nas Igrejas, sobre a relação entre espiritualidade e compromisso social e político, sobre ética pessoal (e mesmo sexual) e a questão dos direitos humanos, civis e às diversidades com as quais hoje nos debatemos na defesa das minorias e do pluralismo cultural e religioso.
Na época de Jesus, as prescrições religiosas tinham feito do sábado um dia de repouso que não podia ser desrespeitado. Violar o sábado era tão grave que acarretava até pena de morte. Assim, o sábado que, conforme o livro do Deuteronômio, deveria ser memória da libertação do Egito e medida para garantir vida digna para todos e todas, se tornou, pela lei, instrumento de medo e de morte. Por isso, ao enfrentar essa instituição, Jesus enfrenta uma das coisas mais sagradas e importantes para a identidade do seu povo.
De acordo com o evangelho, o conflito ocorreu porque, em um sábado, os discípulos, com fome, começaram a arrancar espigas do campo para comer. Arrancavam as espigas de trigo e com as mãos as debulhavam. De acordo com a lei, usar faca ou foice era proibido no dia de sábado, mas colher com as mãos era permitido (Dt 23, 26). No entanto, os fariseus pensavam que, no sábado, não se deveria fazer nem isso. Jesus responde com o método dos rabinos – usando a Escritura. Jesus cita um episódio da vida do rei Davi no qual Davi e os seus companheiros comeram os pães que eram sagrados. Jesus conta essa história não tanto como o texto bíblico narra, e sim do jeito que a tradição oral tinha guardado a história. De acordo com Jesus, o problema foi que aqueles pães eram reservados só aos sacerdotes. Conforme a história, Davi e seus companheiros, que não eram sacerdotes, os comeram. Além disso, fizeram isso em um dia de sábado. Por isso, Jesus conclui que a lei do sábado foi feita em função da pessoa humana e não o contrário.
Essa palavra de Jesus não é original. Na época dos macabeus (180 antes de Cristo), o rabino Shimon ben Menasya tinha escrito: “O sábado é dado para você e não você para o sábado”. Assim, vemos que Jesus não queria falar contra a instituição do sábado. Ao contrário, ele valorizava o sábado para fazer o sábado voltar a ser visto como dom divino e como o dia da libertação de Israel (Dt 5). Ele não concordava com o fato de que a teologia dos sacerdotes tinha feito do sábado um conjunto de leis e de proibições.
Benedetto Calatti, monge beneditino italiano, verdadeiro profeta da renovação eclesial nos tempos do Concílio Vaticano II e no imediato pós-concílio, nos dizia: “Quantos sábados as Igrejas inventaram para controlar as pessoas e será que nós mesmos não inventamos também alguns sábados?”.
Para a mais profunda espiritualidade judaico-cristã, se o sábado não é símbolo e elemento de liberdade e alegria, não é o sábado de Deus, que o criou para fazer de cada ser humano uma pessoa livre e libertadora.
Desde os tempos do Mahatma Gandhi na Índia em sua luta não violenta contra o colonialismo inglês e a do pastor Martin Luther King nos Estados Unidos contra o racismo e a discriminação imposta ao povo negro, um instrumento importante de contestação tem sido a desobediência civil. As pessoas oprimidas se unem e se organizam em atos que claramente desobedecem a leis que eles denunciam como sendo injustas e, por isso, não podem ser obedecidas. Jesus e o seu pequeno grupo de discípulos e discípulas praticaram a desobediência civil contra leis religiosas que discriminavam pessoas e categorias humanas. Eram leis que, em nome de Deus, davam aos sacerdotes e religiosos do templo poder para controlar e dominar as pessoas.
Em nossos dias, o Papa Francisco denuncia o clericalismo como sendo um câncer que devasta o corpo das Igrejas e propõe a sinodalidade (caminhar juntos) como o modo normal das Igrejas serem e viverem.
Como será importante que pessoas e comunidades comecem a praticar a desobediência civil contra a religião clerical que até hoje discrimina e legitima violências. Jesus fez isso ao defender que os discípulos tivessem direito a colher trigo no dia de sábado e culminou a sua ação profética indo à sinagoga e, dentro da sinagoga, em pleno sábado, curar um homem de mão seca (Mc 3, 1-6).
Ele tinha iniciado sua atividade pública expulsando um espírito mau de dentro da sinagoga. Agora, novamente, na sinagoga, cura um homem que, por ser aleijado, nem teria podido entrar na sinagoga. O texto diz que Jesus o coloca no meio da comunidade e provoca os seus adversários: Em dia de sábado, é permitido fazer o bem ou o mal? O evangelho diz que olha furioso para aqueles homens religiosos. É um dos textos evangélicos mais fortes esse que fala do olhar irado de Jesus. (Geralmente, sempre falamos de Jesus como manso e humilde de coração).
É claro que Jesus poderia ter curado o homem lá fora e em segredo. No entanto, ele quis provocar e fazer do ato de cura um gesto profético de desobediência civil e de liberdade contra a religião e o sistema opressores. O evangelho diz que aqueles homens da sinagoga saíram dali decididos a matar Jesus. Infelizmente, até hoje, há religiosos que, em nome de Deus, acabam odiando e matando as pessoas e grupos que não se curvam ao seu poder.
Hoje, mais do que nunca, é urgente testemunhar que Deus é amor, é liberdade e fonte de libertação para todos e todas.