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Reflexão do III Domingo da Páscoa: Lc 24, 36-48 (Ano B) por Ir. Marcelo Barros

A alegria e as dificuldades da caminhada de fé – Lc 24, 36-48 (Ano B)

Diante das dificuldades das Igrejas se renovarem, há quem se pergunte: as instituições podem se converter? Nos anos 1970, Dom Helder Camara propunha o que ele chamava de “minorias abraâmicas”, que, mesmo sendo minorias e pobres, se tornam instrumentos da força divina e, assim, se revelam capazes de vida nova.

Neste 3º domingo da Páscoa, as comunidades lêem Lucas 24, 36-48, que conta a presença de Jesus ressuscitado aos discípulos e discípulas reunidos em Jerusalém. O evangelho não fala em aparição, nem em manifestação. Afirma apenas que o Ressuscitado esteve com eles e elas. Insiste na alegria, mas também nas dúvidas e na falta de fé. Ao afirmar que o Ressuscitado está com eles e elas no meio desse processo de crer e não crer, o evangelho afirma que a ressurreição se revela no meio desse processo de ir e vir, avançar e recuar. O encontro com o Ressuscitado não ocorre apenas no final do processo, como uma espécie de meta, mas em todo o processo da caminhada, mesmo em meio às nossas indecisões e nossas dúvidas. O Ressuscitado vem nos encontrar mesmo em meio às nossas sensibilidades diferentes.

Quando na piedade católica, depois do Concílio Vaticano II, os grupos inventaram uma espécie de 15ª estação da via-sacra: a ressurreição de Jesus, eu e muitos de nós protestávamos: a ressurreição de Jesus não é apenas mais uma estação da via-sacra. Não é uma estação, mesmo se fosse a 15ª. De fato, a ressurreição não é uma estação, mas o encontro com o Ressuscitado pode ser. No evangelho de Lucas, parece ser. No meio da sua via-sacra, ou seja, da sua caminhada de missão e em meio aos altos e baixos do dia-a-dia, a comunidade encontra o Cristo Ressuscitado e Ele nos confirma no caminho, mesmo com nossas dúvidas e indecisões.

Para muita gente, a falta de fé seria só acreditar no que vê e não crer em coisas extraordinárias. No entanto, para certos grupos, a falta de fé se manifesta por um espiritualismo que nega o que é corporal como sendo menos importante. De fato, a fé é uma caminhada e nessa caminhada vivemos em um processo no qual cremos e não cremos, nos alegramos com o que descobrimos e, ao mesmo tempo, duvidamos. É isso que, nesse encontro de Jesus Ressuscitado com os discípulos e discípulas, o evangelho de Lucas revela. Em sua cultura, os discípulos pensam estar vendo um fantasma, um espírito. Como se espírito pudesse ser visto. Jesus insiste: “um espírito não tem carne, nem osso como vocês vêem que tenho”.

O evangelho insiste que eles (e elas) ficam alegres, mas ao mesmo tempo duvidam. De fato, como crer em ressurreição, quando o que vemos é morte e destruição? Como aderir a um projeto que parece já começar pela cruz? Como nos abastecer de esperança em meio a tantos desatinos?

Como em outras vezes nas quais foi visto, o Ressuscitado sempre pergunta por comida. É um ressuscitado faminto. Para a cultura deles, ter fome é a forma de dizer que é alguém real e está vivo. Quem está vivo come. Em nossa cultura atual, temos dificuldade de compreender essa história de corpo ressuscitado que tem fome, se alimenta e, ao mesmo tempo, aparece e desaparece, como se não fosse matéria.

Podemos e devemos buscar e aprofundar outras formas novas de dizer a nossa fé de que Jesus está vivo e presente em nós e no meio de nós. No entanto, antes mesmo de qualquer reflexão racional, somos convidados a nos identificar com aquela comunidade que, quando descobriu a presença de Jesus Ressuscitado, começou a percebê-la pelas chagas das mãos, dos pés e do lado ferido. É pela humanidade das feridas que o Ressuscitado diz para nós: vejam que sou eu mesmo. Deus ressuscitou o Cristo torturado e ferido, o crucificado pelos poderes do mundo. A ressurreição de Jesus dá vez e voz aos excluídos desse sistema do mundo. E revela que, é mesmo em meio a todas as nossas fragilidades que podemos atualizar a missão que Jesus deu à primeira comunidade cristã: testemunhar o amor e o perdão de Deus para o mundo todo. Talvez naquela época a insistência em falar da ressurreição no corpo fosse reação contra os grupos espiritualistas (gnósticos) que pensavam em um Jesus etéreo, divino, mas sem carne humana e sem concretitude de pessoa igual a nós. Hoje, grande parte da juventude ou das juventudes atuais nos desafia a descobrir o rosto do ressuscitado na delicadeza frágil das relações afetivas, na liberdade de um erotismo que descubra o outro como outro e torne as pessoas parceiras de carinho gostoso e não reduza ninguém à posse de outro.

As simples alegrias da vida, como o companheirismo, o reencontro de pessoas que se querem bem e o comer juntos devem ser para nós celebrações cotidianas de ressurreição nas quais vislumbramos e podemos também iluminar no rosto de quem convive conosco os traços do Ressuscitado. A sociedade em que vivemos faz questão de comercializar tanto as refeições tornadas fast-food em shoppings de consumo. E as Igrejas que poderiam insistir na profecia da comida como comunhão (e isso foi o pedido expresso de Jesus) reduziram à ceia de Jesus a um culto que não tem mais nada de uma ceia verdadeira de convívio e comunhão. E as pessoas que em Igrejas católicas e evangélicas acham normal comungar em fila (em casa ninguém almoça ou janta em fila), nem percebem que se perdeu o sacramento da partilha e da comensalidade (comer juntos é um sacramento). Quem sabe, essa celebração pascal possa nos ajudar a recuperar o sentido do ágape fraterno, da partilha do pão e do vinho, como do arroz e feijão, do cafezinho ou de um suco ou cerveja, como expressão de carinho e amor no qual a pessoa com a qual estamos nos ressuscita para o amor e pode ser ressuscitada por nós. Aleluia.

Por Ir. Marcelo Barros