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Reflexão ao Evangelho da Solenidade de Pentecostes (Jo 20,19-23 – Ano B) por Ir. Marcelo Barros

O Amor Divino: Força, Libertação e Vida – Reflexão de Pentecostes (Jo 20,19-23 – Ano B) por Ir. Marcelo Barros

“O Espírito do Senhor,
o universo todo encheu.
Tudo abarca em seu saber,
tudo enlaça em seu Amor,
Aleluia, aleluia, aleluia, aleluia”

Este verso bíblico, inspirado no Livro da Sabedoria (Sb 1,7), é o refrão que, desde tempos muito antigos, a Igreja Latina usa para iniciar a celebração da festa de Pentecostes. Ele expressa bem a alegria que celebramos neste dia: a energia do amor divino espalhada por todo o universo. A ventania divina do Amor está presente em todas as criaturas e move o universo como um grande organismo vivo, no qual tudo está interligado e tudo depende de tudo.

No Judaísmo, Pentecostes é Shavuot: a festa das Semanas, ou seja, das colheitas. Na celebração deste domingo, a primeira leitura é o relato dos Atos dos Apóstolos do primeiro Pentecostes cristão, que narra como o Espírito de Deus veio como colheita da ressurreição de Jesus, cinquenta dias depois. Pentecostes inverte Babel e retoma o acontecimento do Sinai, no qual Deus firma a aliança de amor com o seu povo.

No primeiro Pentecostes cristão, contado no livro dos Atos dos Apóstolos (capítulo 2,1-11), o Espírito vem sobre a comunidade dos primeiros discípulos e discípulas de Jesus e lhes dá o dom de se compreenderem uns aos outros. O Amor Divino lhes permite falar de modo que muitas pessoas, vindas de vários lugares do mundo e que falavam línguas diferentes, os compreendessem, cada uma no seu idioma.

Pentecostes é a possibilidade de convivência e comunhão na diversidade das linguagens e de cada cultura. É o dom do diálogo entre culturas, entre gerações e entre espiritualidades. Em nossos dias, grande parte do Cristianismo é pentecostal, principalmente entre as pessoas mais pobres. As Igrejas e movimentos pentecostais têm função profética importante. Insistem no fato de que Pentecostes não foi só no primeiro momento do Cristianismo, mas ocorre para nós a cada dia. Deve ser vivido como um acontecimento permanente e sempre renovado. Hoje, o Espírito vem de novo e nos dá os seus dons.

O Pentecostalismo começou há mais de cem anos, em comunidades cristãs negras dos Estados Unidos, que reagiram ao racismo institucional, revelando às Igrejas e ao mundo que o Espírito de Deus vem às pessoas pobres e às comunidades negras. Inspira as lutas das mulheres e conduz todas as pessoas que são marginalizadas, dando-lhes força e luz para as lutas da vida.

Infelizmente, em nossos dias, alguns grupos pentecostais se embranqueceram culturalmente e caíram no dualismo que divide o espiritual da vida. Nos evangelhos, Jesus nos revelou que, quando o Espírito de Deus desceu sobre Ele, o enviou para curar os doentes, para libertar as pessoas que estavam presas e para anunciar a libertação que é para todos e todas: libertação integral, não só interior e moral. O que caracteriza Jesus é ser pentecostal como revolucionário e ser revolucionário como pentecostal. Podemos aprender isso de Jesus e unir essas duas dimensões da fé: o carisma pentecostal e a ação transformadora e revolucionária no mundo.

O contrário do espírito pentecostal é o fundamentalismo. O apóstolo Paulo afirmou: “A letra mata. É o Espírito que faz viver” (2 Cor. 3,6). Hoje, nas Igrejas, existe fundamentalismo bíblico, fundamentalismo teológico e agora está na moda o fundamentalismo litúrgico, que traduz textos latinos e antigos ao pé da letra e ensina que, se quem celebra não recita literalmente cada sílaba do texto, Deus não aceita aquele sacramento.

No evangelho proclamado neste dia (João 20,19-23), temos outro modo de contar o mesmo presente que recebemos de Deus. De acordo com esse relato, é no próprio domingo da ressurreição que, na sua primeira manifestação ao grupo dos discípulos e discípulas reunidos, Jesus Ressuscitado vem, sopra sobre eles (e elas) e lhes dá o seu Espírito. A Bíblia conta que, no início, Deus soprou sobre a primeira humanidade para lhe dar vida. Assim, o Cristo Ressuscitado sopra sobre cada pessoa do grupo para lhes dar vida nova. Essa vida nova é a paz da aliança, o dom da alegria messiânica.

Na véspera da partida, Jesus tinha prometido: “Vocês estarão tristes, mas eu hei de ver vocês novamente e aí vocês vão se encher de uma alegria imensa” (Jo 16,20-22). Agora, o evangelho de hoje diz que eles e elas se encheram de imensa alegria ao verem o Senhor. E aos dons maravilhosos da paz e da alegria, o Ressuscitado junta ainda outro: o da reconciliação e do perdão.

Neste evangelho, Jesus não dá aos discípulos e discípulas a alternativa de perdoar ou não. Encarrega-os de discernir a realidade e dizer, em nome de Deus, quem é responsável e quem não é. É disso que se trata.

Se nos abrirmos hoje ao Espírito Santo, seremos mesmo, eu e cada um, cada uma de vocês, profetas e profetisas de Deus. Portadores do Espírito, com a tarefa de dizer o que “o Senhor nos manda dizer e fazer” nas Igrejas e no mundo. Mesmo se já nos alegramos com a presença do Espírito em nós, a Igreja nos aconselha a sempre pedirmos que Ele venha de novo e cada vez com mais força e nos impregne com o seu amor.

Hoje, partilho com vocês a oração de um místico muçulmano medieval que, de certa forma, revela como essa presença do Espírito se dá na pessoa que vive a fé e o amor divino:

“De Ti e de mim, eu me admirei,
ó meta do meu desejo.
Aproximaste-me tanto de ti
que acreditei que fosses meu eu.
Ao te encontrar, tanto me ocultei,
que em Ti fizeste que eu me extinguisse.
Ó Tu que és minha graça, enquanto vivo
e paz tranquila quando estiver sepultado.
Só em ti reside o meu amor,
porque és meu temor e segurança.
Nos jardins dos teus significados,
está contida toda minha arte,
e se ainda desejo alguma coisa,
és somente Tu todo o meu desejo!”
(Oração de Al-Hallaj)