Deus não é propriedade exclusiva de ninguém – Mc 9,38-43.45.47-48 (Ano B)
Neste XXVI Domingo do Tempo Comum, o Evangelho de Marcos 9, 37-47 mostra que, nas primeiras comunidades cristãs, alguns grupos debateram sobre quem poderia ou não usar o nome de Jesus Cristo. O evangelho relata que João, um dos discípulos mais próximos de Jesus, contou que viu alguém que não pertencia ao grupo expulsar o mal das pessoas em nome de Jesus, e por isso o proibiu. O grupo eclesial, que no tempo dos evangelhos João representava, queria controlar o uso do nome de Jesus. No entanto, Jesus não aceita essa exclusividade e deixa claro que não quer uma seita fechada, nem assinar contrato de exclusividade com ninguém ou com qualquer Igreja. O sorteio é que seu nome seja usado para libertar as pessoas do mal. Quem não está contra nós está ao nosso lado.
No mundo capitalista, é importante obter o registro da marca que se quer vender e fazer contratos de exclusividade. Há batalhas jurídicas sobre quem pode e quem não pode usar nomes de pessoas famosas que servem de referência em áreas como educação, saúde, ciências e artes. Atualmente, há pessoas e grupos de Igrejas que usam o nome de Jesus não para libertar os irmãos(as), mas para legitimar governos injustos, violências e discriminações. Grupos fundamentalistas e intransigentes utilizam o nome de Jesus não para agir conforme o evangelho propõe, com serviço aos excluídos(as) e partilha, mas para disseminar ódio e exclusão. Milionários nos Estados Unidos e na Europa financiam cursos de “parapolítica”, uma atividade política de extrema-direita que usa espiritualidades orientais antigas e o que chamam de “cultura cristã” para fundamentar suas ações. No Brasil, grupos pentecostais e católicos tradicionalistas pregam um cristianismo de ódio e exclusões.
Conforme o evangelho de hoje, a função de um grupo ou de alguém que se diz seguidor de Jesus é facilitar o acesso de todos e todas a Ele. Quem ajuda nessa comunhão agrada a Deus; quem dificulta ou impede esse contato é contra Jesus. Neste texto, Jesus adverte com palavras duras as pessoas que causam escândalos, ou seja, que impedem o caminho da fé. Atualmente, muitos jovens sentem dificuldades em pertencer à Igreja por não aceitarem estruturas autoritárias, fechadas em si mesmas, e pastores que não sabem dialogar.
Em grego, o termo “escândalo” está relacionado à pedra de tropeço. Escândalo é tudo o que impede as pessoas de percorrerem livremente o caminho da fé e do discipulado de Jesus. No Evangelho de Mateus, essa advertência para não escandalizar os pequenos aparece no capítulo 18, no discurso de Jesus sobre como Ele quer que a comunidade seja. Trata-se, portanto, de uma norma para o funcionamento das comunidades cristãs.
Ao ouvirmos essas palavras hoje, lembramos imediatamente dos escândalos que afetaram o clero no plano moral, como as denúncias graves de pedofilia e o encobrimento desses crimes por parte de não poucas autoridades eclesiásticas. Além disso, há os escândalos econômicos ocorridos no Vaticano, em algumas dioceses católicas, e também em igrejas evangélicas e pentecostais, que servem de instrumentos para o enriquecimento ilícito de seus pastores.
Contra esses escândalos, Jesus usou a linguagem da época e falou no fogo da Geena, um vale fora dos muros da cidade onde era jogado o lixo para ser queimado. Esse fogo, que nunca se apagou, foi utilizado por Jesus como uma metáfora, que depois serviu para a teologia falar do inferno. Hoje, sabemos que Deus é amor e só pode amar e nunca seria capaz de torturar alguém, muito menos em castigo por toda a eternidade. O importante nessa imagem é revermos nossas prioridades e estarmos dispostos a renunciar a tudo que possa ser uma pedra de tropeço no caminho da fé para os outros, especialmente para os mais vulneráveis.
Felizmente, no mundo atual, líderes de diversas tradições espirituais deixaram de se combater por teorias e dogmas e buscam trabalhar juntos(as) para resolver os grandes problemas que ameaçam a Terra e a vida da humanidade. Cada vez mais, as comunidades de fé entendem que a paz, a fome e a salvação da vida no planeta são assuntos que dizem respeito a todos(as). Em nome da fé – seja em nome de Jesus, Buda, do profeta Maomé, ou de outros líderes espirituais – devemos enfrentar esses desafios.
Talvez um bom comentário sobre este evangelho seja um poema de Mário Quintana, muito compartilhado na internet:
“Que a força que rege seu ser
não se enfraqueça diante dos problemas.
Que os sonhos não alcançados
sirvam de estímulos na realização de outros.
Que as dificuldades encontradas
fortaleçam sua fé.
Que seu sorriso alimente sua alma
quando os dias amanhecerem cinzas”.
Reflexão por Marcelo Barros