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Reflexão do XXII Domingo do Tempo Comum por Marcelo Barros

Quando fé e religião entram em conflito (Ano B Mc 7,1-8.14-15.21-23)

Neste domingo, o XXII do ano B, o evangelho proposto é Marcos 7, 1-8; 14-15 e 21-23, um texto que retrata o conflito entre a fé do profeta Jesus e a religião institucional do templo de Jerusalém. O evangelho relata que fariseus e professores da Bíblia vieram de Jerusalém e se juntaram em torno de Jesus. Inicialmente, os religiosos criticam os discípulos por não praticarem as abluções das mãos antes de comer, assim como a de rostos e do corpo, antes de cumprirem as prescrições religiosas. Jesus critica a religião que se prende apenas à exterioridade e propõe transformar a religião ritual em uma fé profética, atenta às questões sociais.

Quando amamos alguém, nossa maior preocupação é agradar a pessoa amada. Jesus insistiu que Deus é nosso Pai, que nos ama com amor de mãe. Ele não é vaidoso, nem narcisista, e não gosta de ser bajulado com ritos e sacrifícios. No século II, o bispo Irineu de Lyon afirmou: “O que faz Deus contente é a vida do ser humano”. Em 1980, em El Salvador, Dom Oscar Romero afirmou: “O que faz Deus feliz é ver o povo empobrecido e explorado ser libertado”.

No evangelho de hoje, Jesus afirma que o que torna as pessoas impuras não é o que vem de fora para dentro, mas o que sai do coração humano. Jesus não se preocupa se os discípulos lavam as mãos ou não antes de comer, ou se fazem as abluções prescritas pela lei antes do culto. Sua preocupação é com uma sociedade que obriga mulheres pobres a se prostituírem para não morrerem de fome. Ele denuncia assassinatos, ambições, arrogância, inveja e outros males.

É importante observar que Jesus não cita essas coisas apenas porque acontecem no mundo, pois Ele sabe que não tem como mudar a realidade global. Jesus está respondendo a questões levantadas pelos religiosos do templo. Portanto, a denúncia é dirigida aos religiosos, mostrando que as mesmas desumanidades praticadas por pessoas sem religião também ocorrem nas comunidades religiosas. Em outro trecho deste evangelho, Jesus diz que os professores da Bíblia fazem longas orações, mas ao mesmo tempo exploram as viúvas pobres e tomam tudo o que elas possuem (Mc 12, 40).

A acusação de que os discípulos comiam o pão com mãos impuras pode estar relacionada ao fato de que Jesus e seus discípulos tinham comido com a multidão no deserto, onde muitos não eram judeus nem seguiam as normas de pureza legal. Esse contexto revela que a religião discrimina entre aqueles que pertencem e os que não pertencem ao mesmo círculo religioso.

No evangelho de Marcos, esse texto está inserido na “seção dos pães”, uma parte que discute as regras que o Judaísmo da época exigia para a mesa. Para os puristas de ontem e de hoje, as regras canônicas se tornam tão importantes quanto os próprios mandamentos de Deus.

Até hoje, a Igreja Católica se comporta em relação à ceia de Jesus da mesma forma que a religião do templo de Jerusalém se fechava em normas de pureza, como se as regras canônicas fossem mais importantes do que a comunhão e a partilha, das quais a ceia deveria ser sinal e instrumento, ou seja, sacramento. Muitos padres e ministros parecem dar mais importância às vestes litúrgicas, aos ritos e palavras do missal, do que ao coração do gesto de Jesus, que é a amorosidade de se doar.

A fé profética de Jesus nos chama a superar o apartheid eucarístico ainda presente em nossas Igrejas e a transformar cada celebração da ceia em um sacramento do convívio e da comunhão com todos os problemas do mundo.

Muitos se surpreendem ao perceber que, no plano social e político, religiões como Cristianismo, Judaísmo e Islã frequentemente apoiam sistemas políticos dominadores. Na América Latina, o nome de Deus foi muitas vezes usado por colonizadores e governos que representavam as forças mais opressoras do povo.

Há mais de 50 anos, pastorais sociais e comunidades cristãs, ligadas a diversos movimentos populares no continente, testemunham que, se existe Deus, Ele só pode ser Amor e Justiça ecossocial. Como canta o grupo teatral da Companhia do Tijolo:

“Um dia desses,

Jesus me apareceu

e mandou dizer que não gosta

dessas marchas para Jesus

é mesmo? Qual, o quê?”.

Atualmente, revistas e redes sociais revelam que entre as pessoas mais ricas do mundo, algumas são pastores evangélicos e líderes religiosos. Na Igreja Católica, houve projetos de construção de Igrejas com investimentos de bilhões de reais. De onde vem essa riqueza, e que sentido ela tem no horizonte de uma fé profética que anuncia o reinado divino?

Infelizmente, esses pastores milionários e empresas de comunicação evangélicas ou católicas assumem posições sociais e políticas não baseadas na fé de Jesus, mas em seus interesses econômicos e sociais. No evangelho de hoje, Jesus repete o que dizia Isaías: “Este povo me honra com os lábios, mas o seu coração está longe de mim”.

A abertura às pessoas de outras religiões e culturas é sempre um desafio. O próprio Jesus, em um momento, hesitou em entrar na casa do centurião romano pagão e precisou ser convertido pela mulher siro-fenícia para curar sua filha. Que o Espírito de Deus Amor nos liberte de todo tipo de “canonismo” e nos preserve de colocar a lei acima do amor e da Vida.

Marcelo Barros