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Reflexão do 28° Domingo do Tempo Comum (Ano B) por Marcelo Barros

A Apropriação ou a Vida – Mc 10, 17-30 (Ano B)

Neste 28º Domingo do Tempo Comum, o evangelho de Marcos (10,17-30) nos traz o encontro de Jesus com um homem rico. Os evangelistas sinóticos – Mateus, Marcos e Lucas – situam este episódio no momento em que Jesus aprofunda a formação dos seus discípulos e discípulas. No texto anterior, Jesus defende os marginalizados da sociedade, como mulheres abandonadas pelos maridos e crianças. Duas vezes, o texto recorda que Ele está em seu caminho para Jerusalém, onde enfrentará os poderes opressores da política, religião e economia, levando à sua condenação e morte de cruz. É durante essa jornada que o homem rico se apresenta a Jesus e aborda uma pergunta sobre como obter a vida eterna.

Mateus descreve esse homem como “jovem rico” (Mt 19,16-26), enquanto Lucas o identifica como um “comerciante ou homem de negócios” (Lc 18,18-27). Marcos, por sua vez, referiu-se a ele como “alguém”, revelando posteriormente ser um homem rico. Escrevendo para ocidentais, Marcos diz que aquele homem (ou mulher) se ajoelha diante de Jesus (os orientais não tinham esse costume) e lhe pergunta como poderia entrar na vida eterna. A pergunta feita a Jesus sobre como herdar a vida eterna expressa um individualismo, focada apenas em sua própria salvação, algo semelhante à espiritualidade de quem acredita que suas conquistas materiais vêm de Jesus e colam no seu carro um adesivo: “Esse foi Jesus que me deu”.

Jesus respondeu, dizendo que ele deveria observar os mandamentos sobre a relação com o próximo. É importante porque nessa etapa da formação dos discípulos e discípulas, Jesus os ensina a interpretar a Escritura. Nesse caso, Ele cita os mandamentos, especificamente aqueles que dizem respeito às relações com o próximo, deixando de lado os mandamentos religiosos, que dizem respeito diretamente à nossa relação com Deus. Para Jesus, os mandamentos sociais são mais importantes que os religiosos. E, ao citar alguns desses mandamentos da lei judaica, acrescenta um que não está no Deuteronômio: “Não explore ninguém. Não roube o que é de outro”. Na Bíblia, isso significa na prática: não seja injusto com quem trabalha para você. Não pratique uma religião egoísta. Sua espiritualidade depende de como você trata os outros.

Ao ouvir a resposta do homem de que já observava esses mandamentos, Jesus, com um olhar amoroso, propõe uma mudança radical: “Falta-te uma coisa: vá, venda tudo o que tem, dê aos pobres e terá um tesouro no céu. Depois, venha e me siga”. Vender tudo e doar aos pobres. Não diz vender apenas parte e só doar parte. Só o olhar amoroso de Jesus e essa atenção especial poderia dar àquela pessoa a possibilidade de mudança de vida. O objetivo do Evangelho não é a salvação individual. É a realização da justiça do reino: o projeto de Deus nesse mundo. É preciso passar de uma visão de fé, baseada na salvação individual, tipo: Jesus te salva, como é a teologia burguesa, para uma visão de fé, centrada na justiça libertadora do reino de Deus.

No entanto, o homem se afastou triste, incapaz de aceitar essa palavra. O evangelho diz: “o tal homem, ou mulher, não aceita a palavra que tinha ouvido e se retira triste, porque possuía muitas propriedades” (v. 22). E Jesus constata que o seu olhar amoroso fracassou. Ele então reflete com seus discípulos e discípulas sobre a dificuldade de um rico entrar no reino de Deus, não por ser rico, mas porque a riqueza, em si, é um obstáculo: “Como é difícil um rico entrar no projeto divino do reino”. A questão não é se os ricos podem ir ao céu ou não, mas sim que as riquezas acumuladas (não fala do rico), são, intrinsecamente, injustas.

Os evangelhos mostram dois tipos de perguntas feitas a Jesus: os empobrecidos pedem ajuda imediata, clamam pelo “aqui e agora”: pedem visão, pão e saúde; enquanto os ricos e doutores da lei perguntam sobre a salvação após a morte e como ganhar a vida eterna. Jesus responde a estes últimos convidando-os à conversão nas relações humanas do presente e os faz olhar para a realidade social do aqui e do agora. Uma religião focada apenas na salvação pessoal não é libertadora.

A sociedade dominante sempre olha a vida a partir da preocupação com o dinheiro, a produção e a riqueza. Esse modo de organizar a sociedade só tem resultado em guerras, desigualdade, miséria e destruição da natureza. Jesus quer que os discípulos e discípulas compreendam que uma economia baseada na acumulação individual não é compatível com o projeto divino. E aí o evangelho se volta para a educação do discipulado. Só Deus pode fazer até mesmo o impossível, que seria tornar a pessoa rica capaz de compartilhar o que tem. Os discípulos têm dificuldade de compreender isso. Viver o evangelho não é obedecer às leis, às regras e aos preceitos. É seguir Jesus e se comprometer com a causa do reino da justiça.

Pedro compreende isso. Ele vê que, de fato, os discípulos e discípulas ouviram um chamado e seguiram o Mestre. Por isso, Pedro pergunta: “e nós, que deixamos tudo e te seguimos?” Ele não pergunta qual será a recompensa ou o prêmio. É mais uma questão afetuosa: “E nós?” E a eles, entre os quais não há nenhum rico, Jesus responde: a quem renuncia a tudo pelo reino, Deus dá cem vezes mais, porque dá a comunidade, a vida partilhada, o afeto vivenciado e a riqueza coletiva. É o ideal que agora os povos originários chamam de “bem-viver”.

Há mais de 50 anos, no final da década de 1960, ao reler e traduzir o Concílio Vaticano II para a América Latina, a 2ª Conferência dos Bispos Católicos do continente em Medellín, na Colômbia, introduziu na missão da Igreja o debate sobre a questão da pobreza dentro da Igreja, tema de um dos documentos (n° 14).

A conferência de Medellín foi um acontecimento excepcional, cujo clima nunca mais se conseguiu repetir ou retomar. A partir daí, um dos debates mais difíceis nos ambientes eclesiais tem sido a “opção pelos pobres”. Já em Puebla, onze anos depois, o grupo de bispos mais conservadores insistia que a Igreja é de todos e não se deveria particularizar. Daí nasceu o adjetivo “preferencial”: opção preferencial pelos pobres. Muitos insistem: é preferencial e não exclusiva. Desde os tempos do Concílio Vaticano II até hoje e agora o Papa Francisco, assim como as pessoas e grupos mais conscientes, preferem falar em inserção no mundo dos empobrecidos. Por isso, na América Latina, se fala em “Igreja dos pobres” e que, a partir do povo empobrecido e da imensa massa dos povos excluídos, esta se torna espaço de comunhão para toda a humanidade.

Poema-oração de Dom Helder Camara:

Mesmo Tu
com o Teu olhar irresistível
de infinita bondade
não conseguiste comover
o coração
do jovem Rico.
E ele, desde a infância,
praticava
todos os mandamentos.
Senhor, meu Senhor
não nos deixes atenuar
– por uma errônea caridade –
as verdades duríssimas
que disseste aos Ricos… (Recife, 13/10/1973)