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Reflexão da Solenidade de São Pedro e São Paulo (Ano B) por Ir. Marcelo Barros, OSB

Viver a fé como espaço de acolhida e doação – Mt 16, 13-19 (Ano B)

Neste domingo, no Brasil, a Igreja Católica vive a festa dos apóstolos Pedro e Paulo. A segunda leitura da celebração (Gl 1, 11-20) contém o testemunho do apóstolo Paulo sobre como ele vê sua missão. O evangelho (Mt 16, 13-19) é escolhido por causa da palavra de Jesus, na qual ele teria confiado a Pedro uma função especial na comunidade dos apóstolos: “Tu és Pedro e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja”.

A Igreja Católica desenvolveu uma teologia sobre o ministério de Pedro e de seus sucessores, situados em Roma por uma tradição muito antiga. Sem dúvida, é direito da Igreja apoiar-se em uma tradição. No entanto, com os avanços nos estudos exegéticos, é difícil sustentar historicamente que Jesus tenha desejado fazer de Pedro o chefe da Igreja Universal. Nem na época de Jesus, nem quando a comunidade de Mateus escreveu esse evangelho, poderia-se pensar na Igreja como um conjunto de comunidades, menos ainda em uma instituição centralizada chamada Igreja Católica. Também não se pode imaginar que Jesus tenha pensado em Pedro como o que hoje chamamos de “Papa” e de ter sucessores com esse “poder”.

O Padre José Comblin escreveu: “Do texto de Mateus não se pode concluir que Pedro teria um sucessor. (…) Quando o Evangelho foi escrito, Pedro tinha morrido provavelmente um quarto de século antes e o Evangelho não fala ainda em qualquer sucessão”. Seja como for, podemos descobrir neste texto do evangelho de hoje uma palavra para nos ajudar a viver a fé e discernir o papel do pastor que quer ser como Pedro na Igreja Católica atual (o Papa).

A primeira observação é que Jesus nos dá essa palavra quando estava em território estrangeiro (do outro lado do Mar da Galiléia). Ele se sentia clandestino e em situação de crise pessoal (poderíamos dizer, em crise de vocação). Por isso, Ele avalia sua missão com os discípulos, perguntando o que o povo pensa de sua pessoa e de sua missão. A resposta dos discípulos mostra que o povo não compreendia a proposta de Jesus. Ele então pergunta aos próprios discípulos e discípulas: E vocês, o que dizem a respeito do Filho do Homem?” Esta maneira de Jesus falar de si mesmo é misteriosa. Pedro responde em nome de todos: “Tu és o Messias, o Filho do Deus vivo” (v. 16). A tal ponto, Jesus vive sua vocação de consagrado, que só pode ser mesmo “filho de Deus”. Quando Pedro confessou: “Tu és o Filho de Deus”, nem Pedro nem a comunidade do evangelho pensavam em dizer que Jesus é a segunda pessoa da Santíssima Trindade, de natureza igual ao Pai.

É nesse contexto que Jesus chama Simão de Pedro ou pedra. Conforme alguns exegetas, na época de Jesus, na Galileia, o povo tinha o costume de escavar as rochas para dali tirar pedras para construir casas. Era um tipo de pedra mais mole, que pode nos lembrar nossa pedra-sabão, usada por vários artistas para esculturas em pedra. Era um tipo especial de pedra, mais facilmente quebrada e partida para dar lugar a abrigos. Os buracos formados nas rochas recebiam na língua aramaica o nome de kepha. As pessoas pobres e sem casa se abrigavam nestas cavernas e as usavam como casas. Assim, o nome Kepha pode ser traduzido por pedra ou gruta escavada na rocha que servia de abrigo para os pobres sem-teto. De acordo com essa versão da história, a tradução mais literal da palavra atribuída a Jesus seria: “Tu és Pedro e sobre ti, como gruta que serve de abrigo aos mais empobrecidos quero construir a minha comunidade (Igreja)”. 

As comunidades cristãs primitivas acentuavam que a pedra da Igreja é o Cristo (Cf. 1 Cor 10, 11 e 1 Pd 2, 6). Vários salmos e orações da Bíblia dizem que o Senhor é o rochedo da nossa salvação (Cf. Sl 18, 3 e 32; 31, 4; 61, 4; 95, 3; 144, 1). Jesus tinha dito que toda pessoa que escuta e pratica a Palavra (o termo Simão quer dizer o ouvinte e obediente) é como quem constrói a sua casa sobre a rocha (Mt 7, 24). “No edifício da Igreja, ninguém pode colocar outro fundamento, a não ser o Cristo Jesus, pedra angular” (1 Cor 3, 11).

Mateus é o único evangelista que usa a palavra ‘Igreja’ e no seu contexto significa a comunidade local: a assembleia dos cidadãos e cidadãs do reino de Deus. Pedro é o apoio, a pedra que deve dar segurança ao edifício no sentido da fé. Para a comunidade de Mateus, Pedro é símbolo do discípulo a quem o Senhor confia o encargo de “confirmar na fé aos seus irmãos”. Em outra tradição, Jesus lhe diz: “Simão, eu orei por ti para que, sendo tu confirmado, confirmes a teus irmãos” (Lc 22, 31-32).

Embora Jesus entregue a todos(as) a missão de testemunhar o Reino, conforme Mateus (e é o único evangelho que diz isso), Jesus entrega a Pedro as chaves do Reino. É um modo de falar próprio da linguagem apocalíptica e se baseia em Isaías 22. No capítulo 18 deste mesmo evangelho, esta função que aqui Jesus dá a Pedro, ele passa a toda a comunidade (Mt 18, 18). De certo modo, somos todos(as) pastores e pastoras, chamados(as) a viver a fé como rocha de segurança e acolhida para os nossos irmãos e irmãs.

Hoje, a maioria das igrejas históricas parecem dispostas a aceitar a necessidade de um ministério de coordenação e de unidade que pode ser realizado pelo bispo católico de Roma, o Papa. Independentemente de ser, literalmente, sucessor de Pedro, desde tempos muito antigos, o bispo de Roma exerce uma função de servidor da unidade das Igrejas. Há mais de 25 anos, o Papa João Paulo II pediu a cristãos e cristãs de todas as Igrejas que o ajudassem a rever a forma e o estilo no qual o ministério do bispo de Roma pode ser realizado. Recentemente, o Dicastério para a Unidade das Igrejas retomou as respostas enviadas ao Vaticano sobre essa pergunta e publicou um documento que confirma a necessidade de se superar a função do papado nos tempos de Cristandade. Que todos e todas nós possamos ajudar o Papa Francisco a viver o seu ministério de unidade dentro de uma Igreja sinodal que seja a comunhão de Igrejas locais, cada uma com o direito de ter o seu estilo e forma de ser próprios e inseridos na cultura local.

Reflexão por Ir. Marcelo Barros, OSB