Solenidade da Páscoa da Santa Virgem Maria – Lc 1, 39-56 (Ano B)
Em Maria, contemplamos nosso processo pascal
No Brasil, neste domingo, a Igreja Católica celebra a Assunção de Maria, uma crença que aparece nos documentos eclesiais a partir do século VI, substituindo o que os antigos chamavam de “dormição”, ou seja, a morte de Maria. Em 1950, o Papa Pio XII transformou em dogma a crença de que Maria foi elevada ao céu em corpo e alma. É necessário ir além da linguagem tradicional e descobrir a mensagem contida nessa celebração da Páscoa de Maria, mãe de Jesus.
Podemos compreender a linguagem da Assunção como simbólica. Ela traz em si a promessa bíblica da ressurreição, ou seja, a participação de Maria e de todos e todas nós na ressurreição de Jesus. A fé cristã não se interessa apenas pela alma, mas pela integridade da pessoa e da vida. Para algumas espiritualidades orientais, a alma individual se funde na alma cósmica, como o peixe que mergulha no mar. Podemos contemplar na Assunção de Maria aquilo que é o destino e a vocação de todos(as) nós. Essa participação na ressurreição de Jesus, ou como dizem os orientais, “divinização” do nosso ser, não acontece apenas no momento da morte; é um processo ao longo de toda a vida. Sempre que, a cada momento, nos dirigimos ao outro e optamos pela solidariedade amorosa, vivemos a assunção pessoal e comunitária.
Na experiência que Jesus nos ensinou, de inserção, é ao descer ao encontro dos que estão embaixo que nos elevamos. Este é o projeto divino que, no Evangelho de hoje, Maria canta ao afirmar que Deus derruba os poderosos e eleva os pequenos.
Os Evangelhos não mencionam como Maria morreu. Baseadas em tradições, as Igrejas orientais celebram em agosto a “dormição” da Virgem Maria. Na Igreja ocidental, a partir da reforma litúrgica, proclama-se nessa festa Lucas 1, 39-56, o relato da visita de Maria a Isabel e seu cântico.
De acordo com esse relato, assim que soube pelo anjo que seria mãe do Messias, Maria saiu apressadamente e subiu de Nazaré, na Galileia, para uma aldeia na montanha da Judeia, onde serviu Isabel, sua prima idosa que havia engravidado. Essa subida à montanha para servir é símbolo de que, ao nos dispormos a servir, sempre nos elevamos. Sempre subimos. E isso é um processo pessoal e coletivo.
Em meados do século XX, Teilhard de Chardin, paleontólogo e espiritualista, falava em passar da biosfera para a noosfera (a esfera da interiorização) e afirmava que todo o universo evolui e converge. Essa convergência caminha na direção da cristificação para Deus. Como Paulo escreve aos Coríntios: “até que Cristo seja tudo em todos”.
Na carta aos Romanos, Paulo escreve: “A criação inteira sofre como em dores de parto, e nós, que temos as primícias do Espírito, gememos dentro de nós mesmos, esperando a libertação do nosso corpo” (Rm 8, 22-23). É bela essa imagem do parto da criação e do parto permanente de cada um(a) de nós. Jesus também usou essa imagem quando, na ceia, disse aos discípulos: “A mulher, quando está para dar à luz, sofre porque chegou a sua hora, mas, quando a criança nasce, ela se alegra porque pôs no mundo uma vida nova” (Jo 16, 21).
Vivemos continuamente esse processo de ressurreição pessoal e comunitária, coletiva e até cósmica. É disso que se trata. E esse processo de evolução ou de amadurecimento interior não é algo que acontece apenas no íntimo de cada pessoa; também toma forma no corpo e em todo o estilo de vida. Esse processo é o desafio de todos os processos revolucionários.
Quem, nos ambientes políticos, lida com ambições pessoais e rivalidades diárias, mesmo em grupos de caráter revolucionário, sabe que isso é um sério empecilho para qualquer caminho mais profundo de mudanças no mundo. Por isso, é tão importante aprofundar a questão de uma espiritualidade laical, humana. É fundamental que, na construção política, se garantam ética e coerência de posturas, tanto no plano social quanto no nível interior e pessoal.
Nas celebrações da Assunção de Maria, a primeira leitura é tirada do Apocalipse 12, que mostra no céu a figura de uma mulher grávida, com a lua debaixo dos pés e coroada com doze estrelas. O povo cristão sempre viu nessa figura simbólica a imagem da nova humanidade representada pela comunidade messiânica. Assim como essa Mulher, a humanidade está grávida do novo ser humano. E o Messias (Cristo) é a imagem e o modelo desse novo ser humano que emerge em cada um(a) de nós, mas também nas estruturas desse novo mundo pelo qual lutamos. No Apocalipse, a mulher que aparece grávida no céu tem um inimigo: o dragão, que quer devorar a criança assim que ela nascer. A mulher dá à luz e foge para o deserto, amparada pela Terra.
Celebrar a vitória de Maria, mãe de Jesus, é uma maneira de afirmar que nossa luta social, política, ecológica e espiritual começa a ser vitoriosa. Cantar hoje o cântico de Maria pode parecer utópico e irreal, mas cantamos como se algo já estivesse acontecendo, mesmo que ainda esteja em preparação. No entanto, cremos e já vemos acontecer em nós e nas nossas comunidades as sementes desse processo. Por isso, nos comprometemos e continuamos ensaiando esse projeto em nosso dia-a-dia.
Reflexão por Ir. Marcelo Barros