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24 de Junho – Reflexão da Solenidade da Natividade de São João Batista (Ano B) por Ir. Marcelo Barros, OSB

João Batista e a Profecia de um Tempo Novo – Lc 1,57-66.80

Na tradição das antigas Igrejas, João Batista é o único santo do qual, além de celebrar o martírio no dia 29 de agosto, celebra-se também e principalmente o nascimento no dia 24 de junho. Sem dúvida, as festas juninas são festejos que vêm de culturas anteriores ao Cristianismo que festejavam o solstício de verão no hemisfério Norte. Assim como a celebração do Sol Invencível no solstício de inverno no Norte deu origem à festa de Natal (no século IV), também as celebrações do solstício de verão originaram a celebração do nascimento de João Batista, o precursor de Cristo, conhecido como “Amigo do Esposo” e Testemunha da Palavra de Deus.

No Nordeste do Brasil e em várias outras regiões, as festas juninas tomam um caráter semelhante às antigas festas do nascimento do Sol na Europa e correspondem às festas do Inti Raimi, festas do Rei Sol, na tradição indígena dos Andes. Até hoje, por toda a cordilheira da Bolívia ao Peru e Equador, nesta época de junho, espalham-se essas festas que tinham caráter fortemente religioso em adoração ao Sol e hoje continuam como manifestação das culturas originárias.

Temos de apoiar essas tradições e ver nelas a inspiração divina de que o Amor Divino vem como fogueira iluminar e aquecer nossas noites de inverno, libertando-nos do frio que pode gelar o mais profundo de nossas vidas. A festa do nascimento de São João Batista traz para muitas culturas do nosso povo a recordação de nascimentos que representam o início de uma nova aliança que o Amor Divino vem fazer em nossas vidas.

No texto do evangelho de Lucas que conta o nascimento de João (Lucas 1, 57.66-80), afirma-se que, quando se completaram os tempos, Isabel deu à luz a um filho. E todo o texto se centra na discussão sobre o seu nome. O pai confirma: “Ele se chamará João”, que significa “Deus dá a graça”. O anjo que anunciou o seu nascimento tinha previsto: “Muitos se alegrarão com o seu nascimento”.

No Nordeste do Brasil, a maioria do povo toma essa palavra do anjo ao pé da letra. Seja pelos festejos de mudança de estação, que nos legaram a fogueira, os fogos juninos e as danças características deste tempo, seja pela importância do profeta João Batista para a fé cristã, o povo vive em junho algo do que, no mundo inteiro, se celebra no Natal: a alegria da luz. De fato, originalmente na natureza, essas festas juninas são marcadas pelo solstício de inverno (o sol que ressuscita e recomeça a nos dar dias mais longos e luminosos). No Cristianismo, o nascimento de São João Batista significa um solstício dentro do coração da gente: ele anuncia o nascimento do Sol da Justiça, que é o Cristo.

Para o quarto evangelho, João é o amigo do Esposo que se alegra com a sua vinda. Trata-se da alegria messiânica, uma alegria radical, mesmo no meio das dores da vida, a alegria que antecipa a vitória da salvação, ou seja, da libertação definitiva e revolucionária da vida e do universo. Essa subversão divina é profetizada por dois sinais familiares que parecem milagres e o são em um mundo onde nada é gratuito.

Deus faz a mulher estéril dar à luz e assim iniciar o tempo novo da salvação. No Primeiro Testamento, várias das grandes matriarcas do povo de Deus foram apresentadas como mulheres estéreis: em primeiro lugar, Sara, mulher de Abraão; também Raquel, mulher de Jacó; a mãe de Sansão; e ainda Ana, mãe de Samuel, entre outras figuras. O Salmo 113 diz: “Deus torna a mulher estéril mãe feliz de muitos filhos e filhas”. Em um mundo no qual a esterilidade da mulher era sinal de maldição e instrumento de marginalidade, Deus mostra a sua misericórdia ao abrir o útero das mulheres estéreis. Em hebraico, a compaixão divina é “rahamin” e este termo vem de “rehém”, útero. Isso significa que a compaixão solidária de Deus é o amor uterino – amor de mãe que se revela ao abrir o útero estéril de nossas vidas. O nascimento de João Batista revela, em primeiro lugar, que Deus renova o seu amor de compaixão, o seu amor uterino pela humanidade. Este foi o primeiro sinal que provoca alegria no nascimento daquele menino.

O segundo é que Deus faz o pai e patriarca que estava mudo falar e profetizar o novo tempo que surge com esse nascimento. O pai de João Batista era sacerdote e se torna profeta. No entanto, o evangelho sublinha no nascimento a figura da mãe. Ao dar à luz a João (o nome significa “Deus acha graça na gente e nos dá a sua graça”), Isabel abre o mundo ao Novo Testamento.

A festa de hoje revela que o Espírito nos fala e o Reino de Deus já começa, seja quando uma florzinha brota na secura das estradas do mundo, seja quando duas pessoas vivem o amor, seja em todos os gestos de generosidade humana, empoçada no coração de cada um e cada uma de nós. Como no evangelho que conta o nascimento do profeta João Batista, o Amor Divino em nós nos faz passar da esterilidade para a fecundidade, da mudez para a comunhão.

Que Deus abra o útero envelhecido, meio endurecido de nossos corações quando parecemos estéreis e nos faça parir o mundo novo do qual tanto precisamos. Solte nossa língua presa a tantas convenções para dizer: o novo chegou! Somos todos e todas profetas e profetizas dessa alegria messiânica!

Viva São João!

Ir. Marcelo Barros, OSB