Feliz dia do Padre e da Madre da Comunidade (para quem sonha com uma Igreja “sem padres”)
No dia dedicado às vocações sacerdotais, vários amigos e amigas me ligam ou escrevem para me felicitar pelo dia do padre. Eu agradeço a delicadeza, peço que orem por mim e pela Igreja e, às pessoas com quem percebo que posso dialogar sobre isso, confesso que sonho com uma Igreja “sem padres”.
Pelo amor de Deus, não quero escandalizar ninguém e, menos ainda, ofender meus queridos irmãos e companheiros padres que são felizes com a vocação que abraçaram e acreditam em seu ministério. Vejam que coloquei entre aspas o “sem padres”. No sentido mais profundo do ministério presbiteral, a Igreja sempre terá presbíteros (espero que também presbíteras ou ministérios equivalentes). Graças a Deus, vocês, padres que costumam ler os meus textos, são padres de acordo com o coração de Deus e de uma Igreja em saída. Então, não me refiro de modo algum a uma Igreja sem o ministério presbiteral. O sentido do “sem padres” é outro.
Sabemos que, em nossas línguas, padre significa pai. Quando eu era criança, ainda se rezava “Padre Nosso que estais nos céus…”. Na Itália, se você disser “sou padre” tem que explicar se é presbítero ou pai de família. No entanto, como Igreja, ao voltar às fontes do evangelho, devemos voltar à palavra de Jesus: “A ninguém chameis de pai sobre a terra. Só um é o vosso Pai que está no céu” (Mt 23, 9). Vós sois todos irmãos e irmãs.
Quem estuda a história da Igreja e a teologia dos ministérios sabe que a identificação entre os ministérios cristãos e o sacerdócio veio de uma inculturação do Cristianismo à linguagem e à cultura da religião imperial romana. A releitura dos textos do primeiro testamento sobre o sacerdócio levítico foi feita para legitimar a equiparação do ministério cristão com o sacerdócio da religião imperial. Inclusive, títulos como Pontífice, próprios do sacerdote da religião romana e depois do Imperador, foram adotados para os bispos católicos e para o papa. O Concílio Vaticano II tentou evitar o termo sacerdote e sacerdotal, preferindo usar ministério presbiteral. No pontificado de João Paulo II, houve um retorno ao termo sacerdócio ministerial, um termo interessante porque supõe o outro sacerdócio – o batismal. Mas, será que este também não é ministerial ou ministério é só padre, diácono e bispo?
Sonho, sim, com uma Igreja na qual, como nos primeiros séculos, a distinção não seja mais entre ordenados e não ordenados, mas entre batizados e não batizados, se houver alguma distinção. Sugiro a leitura do texto publicado pelo Instituto Humanitas Unisinos (IHU) em memória de Joseph Moingt, o teólogo jesuíta que propôs “o ministro ou ministra da comunidade”, que como participante da comunidade pode coordenar os sacramentos e ter o ministério da palavra, não porque faltam padres, mas porque a Igreja quer ser de novo “uma Igreja que nasce do povo pela força do Espírito”.
Alguém me pergunta: Esta Igreja com a qual sonhamos seria “sem padres” ou seria mais uma Igreja em que todos os batizados e batizadas fossem considerados como padres ou madres, isto é, como presbíteros e presbíteras que animam seus irmãos e irmãs na fé? Penso que uma coisa completa a outra. O “sem padres” (sacerdotes) nos leva aos padres e madres da comunidade profética e toda ela ministerial. Para vocês que caminham nesta Igreja rumo a este sonho evangélico, feliz dia do padre e da madre da comunidade!
Ir. Marcelo Barros, OSB