Integrar no Amor as Pessoas Excluídas (Mc 7, 31-37 – Ano B)
Neste XXIII Domingo Comum (do ano B), o evangelho de Marcos 7, 31-37 mostra que Jesus deixa a Galileia e, em território estrangeiro, revela que o projeto libertador de Deus e o seu reinado estendem o seu amor a todos e todas, sem fronteiras de raça e de religião.
É provável que Marcos fale da passagem de Jesus na região de Tiro e Sidônia, hoje Líbano, para confirmar a presença de comunidades cristãs ali existentes nos anos 70 do primeiro século, época em que o evangelho foi escrito. Nesse contexto, o evangelho conta que trazem a Jesus um homem surdo que mal podia falar. As pessoas pedem que Jesus imponha as mãos sobre ele. Jesus o retira do meio da multidão e cria com ele uma relação pessoal. Em uma interação afetuosa, de pessoa a pessoa, Jesus toca nele e o cura. Ao usar saliva como instrumento de medicina tradicional e tocar na língua do homem, Jesus desobedece às normas religiosas. Ele olha para o céu, suspira, como se fizesse um grande esforço, e diz a palavra aramaica: “Efata” (Abre-te). Imediatamente, os ouvidos do homem se abrem e a língua se solta. O homem começa a falar.
Através dessa cena, o evangelho recorda algo do Gênesis, quando Deus insufla na primeira humanidade o seu sopro de vida. Jesus dá a uma pessoa estrangeira uma vida nova ao lhe conceder a capacidade de escutar e falar. No entanto, depois de curá-lo, pede-lhe que não conte às pessoas. Por que essa clandestinidade? É possível que Jesus tenha pedido segredo pelo fato de estar na Decápole, um território no qual ele não tinha apoio nenhum e o anúncio do reinado divino exigia o maior cuidado. Também pode ser que tenha feito isso para não ser confundido com algum milagreiro poderoso. Seria um imenso contraste para um Jesus pobre, frágil, que caminha para a cruz.
Até hoje, ministros e fiéis de diversas igrejas acham que a fé deve se expressar apenas dentro do campo religioso, através de ritos e normas cultuais, o que Jesus denunciou como postura falsa e hipócrita. O evangelho de hoje mostra que Jesus, depois de romper com os religiosos de Jerusalém, atravessa o lago e vai de encontro às pessoas sem religião ou de outra tradição cultural e religiosa. O evangelho não conta que Jesus tenha feito discursos para essas pessoas. O que ele fez foi curar os males que as pessoas sofriam. Curou uma criança, filha de uma mulher estrangeira, e, neste relato, cura um surdo.
Jesus não pretende lhes ensinar nada; ao contrário, pede que guardem segredo. O que Jesus fez foi o que o grande educador Paulo Freire mostrou ser essencial na educação: dar às pessoas a capacidade de expressarem-se por si mesmas e interpretarem o mundo em que vivem. Paulo Freire baseia o seu método educativo no diálogo, como Jesus, que, em primeiro lugar, abriu os ouvidos do surdo para que ele pudesse ouvir e falar. Para nós, aquele surdo é símbolo de uma multidão que, hoje, no plano da educação e da consciência cidadã, precisa ser integrada e libertada da sua surdez e mudez.
Graças a Deus, no Brasil e no mundo, desenvolvem-se organizações da sociedade civil e movimentos populares que dão voz e vez às pessoas da classe trabalhadora e aos sem trabalho, sem teto e sem pão. Neste ano, o domingo com esse evangelho coincide com o dia seguinte ao 07 de setembro, no qual celebramos o 30º Grito dos Excluídos e Excluídas, com o tema de sempre: “Vida em Primeiro Lugar” e lema: “Todas as formas de vida importam. Mas, quem se importa?”
De fato, o mais estranho é que, apesar de o Grito dos Excluídos e Excluídas ter sido criação das pastorais sociais da CNBB e que, nos primeiros anos de seu ministério, o Papa Francisco tenha, pessoalmente, querido encontrar-se com movimentos populares, essa iniciativa não parece ter comprometido mais as igrejas locais com os movimentos populares. As igrejas e religiões continuam tendo muita dificuldade em testemunhar o projeto divino do amor e da justiça ecossocial.
Este evangelho nos chama a nos sentir curados por Jesus e consagrados para escutar o chamado profético que o Espírito diz hoje às igrejas e ao mundo. O Espírito nos envia aos excluídos e excluídas do Brasil e do mundo. No Brasil atual, os povos originários são os mais ignorados e excluídos da vida e da liberdade. O chamado Marco Temporal é um absurdo jurídico e uma medida de desumanidade que não pode ser aceita por nenhuma pessoa que tenha o mínimo senso de humanidade.
Para todos e todas nós, o diálogo é sempre um desafio a ser vivido, não somente como estratégia de trabalho ou método, mas como espiritualidade, ou seja, caminho de aprofundamento da intimidade divina. Só podemos dizer que vivemos o evangelho quando nos inserimos nesse diálogo divino de Jesus com as outras culturas, outras religiões e com todo ser humano. Assim, poderemos falar com palavras, mas principalmente pela nossa postura de vida, a profecia do evangelho do amor solidário, da justiça eco-social e da libertação.
Poema de Dom Helder Camara:
Se tens mil razões para viver,
se jamais te sentes só,
se amanheces com vontade de cantar,
se tudo te fala
– das pedras do caminho às estrelas do céu,
das lagartas que se arrastam aos peixes, donos do mar –
se entendes os ventos e escutas o silêncio
– exulta! o amor anda contigo,
é teu companheiro e teu irmão…
Recife, 27/01/1973
Marcelo Barros