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Reflexão do XXI Domingo do Tempo Comum (Ano B) – Marcelo Barros

Quando a proposta de Jesus é insuportável – Jo 6, 60-69 (Ano B) 

O evangelho lido neste XXI Domingo do Tempo Comum, no ano B (João 6, 61-70), revela uma crise entre Jesus e seus discípulos e discípulas. Esses versículos, que encerram o capítulo 6 do quarto evangelho, narram como Jesus reparte o alimento com uma multidão e, em seguida, faz o discurso que comumente se chama como o “Pão da Vida”. Inicialmente, Jesus debate com as pessoas da multidão, que representavam as pessoas de fora da religião, mas que se aproximavam dele. Posteriormente, a conversa se volta para os judaizantes, ou seja, cristãos que ainda observavam as leis judaicas. Finalmente, o confronto se dá entre Jesus e seus próprios discípulos e discípulas, que, conforme o texto, desde o início, não o compreendem plenamente. Eles entram em uma barca sem Jesus e enfrentam uma tempestade na escuridão da noite e em meio à fúria das ondas.

Os quatro evangelhos relatam que a atividade de Jesus na Galileia se conclui com um momento em que Ele percebe que fracassou em sua missão e decide se afastar do contato mais direto com a multidão. A partir de então, dedica-se à formação de seu grupo mais íntimo de discípulos e discípulas e, segundo Lucas e Marcos, caminha rumo a Jerusalém.

No quarto evangelho, a crise é descrita como um desencanto ou decepção dos discípulos em relação a Jesus. O texto diz: “Depois que ouviram essas coisas, muitos discípulos de Jesus disseram: ‘Esse modo de falar é duro demais. Quem pode continuar ouvindo isso?’ E desde então, muitos voltaram atrás e não quiseram mais segui-lo” (Jo 6,60).

Segundo o texto, o que os discípulos acharam duro e insuportável nas palavras de Jesus foi sua afirmação de que quem não comesse sua carne e não bebesse seu sangue não teria vida eterna. De fato, essas palavras se tornam ainda mais pesadas dentro do contexto em que foram ditas. Jesus teria rompido com o modelo de messianismo judaico vigente em sua época, e os discípulos compreenderam que teriam que seguir um Cristo pobre, despojado, e que se entrega pelos outros, ao invés de lutar e vencer em nome de Deus contra o inimigo.

A reação de Jesus ao desânimo dos discípulos é dupla. Primeiro, Ele argumenta que, se suas palavras já são obstáculos para segui-lo, muito mais será quando forem confrontados com a cruz e a aparente derrota do Cristo. Depois de ter salientado isso, Jesus demonstra profundo respeito pela crise dos discípulos. Ele respeita e pergunta aos doze que ficaram: “Vocês também querem ir embora?” A resposta de Pedro, em nome dos doze, é bastante realista. Ele diz: “Querer ir embora, queremos, mas para onde? Para quem? Só Tu tens palavras de vida eterna e por isso cremos e sabemos que és o consagrado de Deus”.

Hoje, não se compreende uma espiritualidade centrada na dor e na negatividade. Nós mesmos temos imensa dificuldade de aceitar que a palavra e a proposta de Deus pareçam derrotadas no mundo. Entendemos que a morte de Jesus foi vista como uma derrota para a esperança messiânica que o povo da época nutria, uma esperança legítima. Se o Império Romano condenou Jesus à crucifixão, não há dúvida de que Ele foi visto como Messias e, aos olhos do mundo, fracassou.

Uma anedota da vida de Santa Teresa d’Ávila conta que, certa vez, ao fundar uma comunidade de irmãs em uma região inóspita, durante a travessia de um rio caudaloso, o barco virou e, com grande dificuldade, Teresa chegou à outra margem. Ofegante, quis reclamar com Deus por tê-la feito passar por aquele perigo. Ela escutou no coração a voz de Jesus que lhe disse: “Assim, eu trato os meus amigos.” Teresa não hesitou em responder: “Por isso, você tem tão poucos”.

Anedotas à parte, todos que vivem a fé sabem que, em meio à jornada, é comum encontrar obstáculos e crises. É comum que pessoas que inicialmente viveram com entusiasmo, de repente abandonem a fé. Não se trata apenas do fenômeno, que no Brasil cresce mais, das pessoas sem religião. Claro que sem religião ou sem Igreja não quer dizer sem fé ou sem espiritualidade. Menos ainda significa que essas pessoas abandonaram Jesus. Muitas vezes, quem abandona Jesus o faz justamente por questões relacionadas a cargos eclesiásticos ou interesses institucionais. Nesse evangelho que ouvimos hoje, a crise e a dificuldade de compreender Jesus não vieram de seus adversários ou dos ateus, mas dos apóstolos, o grupo que se considerava mais íntimo.

O maior desafio da fé, até hoje, é não renunciar à esperança messiânica de que o mundo tem salvação e de que as injustiças podem ser superadas. Ao mesmo tempo, não é verdade que a palavra e a proposta de Jesus não têm relação com a esperança de libertação política. A proposta de Jesus é o reinado divino no mundo, abrangendo todas as dimensões da vida, não apenas o que se chama de “espiritual”. As Igrejas não podem agir em nome de Jesus se não levam a sério esse desafio.

Vamos continuar teimando na loucura da esperança messiânica e pedir a Deus que nosso modo de celebrar a ceia de Jesus possa testemunhar essa esperança concreta para o mundo, para as Igrejas, e para nós.

Marcelo Barros