O que fazer para sermos felizes?
Um dos grandes mistérios da vida é a capacidade de alegria das pessoas. Quem já teve a oportunidade de conhecer os países mais empobrecidos da África, constata como pessoas que vivem em condições infra-humanas e enfrentam dificuldades imensas se destacam por sua capacidade de sorrir, expressar alegria genuína e energia de vida. Diversos caminhos espirituais ensinam que, mesmo em meio às maiores dificuldades e até sofrimentos, é possível cultivar a alegria como graça ou dom do Espírito que habita em nós.
Na liturgia latina, o III Domingo do Advento é conhecido como o “Domingo da Alegria” (em latim, Gaudete). O título vem do cântico de entrada do Missal Romano, inspirado na carta aos Filipenses que, desde antigamente, a Igreja proclama na segunda leitura deste domingo: “Alegrai-vos no Senhor, alegrai-vos porque o Senhor está bem perto” (Fl 4,4).
Na celebração de hoje, este apelo à alegria é escutado na primeira leitura, extraída do profeta Sofonias. Foi a partir dessa profecia que o Evangelho de Lucas narra o anúncio do anjo Gabriel a Maria, quase com as mesmas palavras que o profeta dirigia a todo o povo: “Alegra-te porque o Senhor está no meio de ti”. Hoje, podemos traduzir essas palavras como: “Deus está em ti”.
O trecho do Evangelho de hoje (Lc 3,10-18) dá continuidade à leitura do capítulo 3, iniciada no domingo passado. Embora não mencione explicitamente a alegria, sua mensagem central é a proximidade do Senhor e a expectativa messiânica permeia toda a narrativa. O texto destaca que o povo vivia na expectativa (v. 15). O profeta João Batista tinha anunciado que, no deserto, onde não havia estradas, Deus abriria um caminho para conduzir o seu povo do cativeiro à libertação. O povo, impactado pela pregação de João Batista, pergunta: “O que devemos fazer?”, ou seja: Como podemos participar e responder a essa iniciativa divina? Essa pergunta, tão relevante na época, continua essencial para nós hoje, especialmente diante das realidades sociais e políticas que enfrentamos.
No evangelho de hoje, ouvimos os critérios que o profeta João Batista propôs afim de que o projeto divino no mundo possa se manifestar. A resposta dada por João Batista não se refere em si à religião. Não fala em crenças. Não propõe nenhum rito. A resposta de João Batista é direta e se fixa na questão ética, comunitária e de base. É como se ele dissesse: “O que vai nos fazer sair dessa situação é o nosso compromisso em sermos pessoas corretas, vivermos a justiça, a partilha e a bondade uns com os outros”. O profeta propõe a partilha e nos casos concretos, nos quais a realidade social favorece a exploração, a restauração da justiça a partir do direito dos mais vulneráveis. Ele não propõe ritos religiosos nem exigências específicas, mas um compromisso com a transformação comunitária. Esse é o lastro social e humano a partir do qual ocorre a vinda do Senhor, ou seja, a realização do projeto divino de justiça e de paz no mundo.
Na sociedade judaica do tempo de Jesus, os soldados romanos e os cobradores de impostos eram os grupos mais odiados e discriminados. Surpreendentemente, são essas categorias sociais que se mostram mais abertas à mudança diante da pregação de João. Hoje, a mensagem de João nos desafia a reflexão: será que, diante das realidades de injustiça e desigualdade que vivemos, também perguntamos a Deus: “O que devemos fazer?” Será que, diante da realidade em que vivemos no Brasil, as pessoas que se dizem cristãs fazem essa pergunta? Será que nos preocupamos em perguntar sobre como Deus quer que colaboremos para a realização do seu projeto divino de justiça e Paz?
As respostas de João transcendem a cultura religiosa de sua época, mas ele acolhe as dúvidas do povo, destacando a importância de uma ética prática e solidária. Ele deixa claro que não é o Messias, mas um precursor que prepara o caminho. O seu gesto profético de mergulhar as pessoas nas águas prepara a vinda do Cristo (consagrado de Deus) que mergulhará a humanidade na ventania e no fogo. Sua missão é mergulhar as pessoas na conversão, enquanto o Cristo prometido trouxe o batismo no Espírito e no fogo, símbolos da justiça divina e da transformação do mundo. Todo mundo sabe o que acontece quando, em meio a um incêndio, se levanta forte ventania. O fogo fica incontrolável. Assim é o fogo da justiça divina, atiçado pela ventania do Espírito.
João Batista não anuncia apenas a chegada de Jesus em Belém, mas o advento, a vinda do reinado divino no mundo. O apelo da festa do Natal e a tradução dos votos de feliz Natal, é a palavra que está por trás da resposta de João Batista às pessoas que lhe perguntam o que fazer. Ele diz: “Preparar uma humanidade nova”. O Natal, por isso, não deve ser apenas uma lembrança do nascimento do menino Jesus, isso seria uma espécie de regressão religiosa. Para uma fé madura, Jesus não volta a ser menino; Ele está vivo, ressuscitado, está conosco e presente em nós.
O Evangelho reacende nas comunidades a confiança na vinda do projeto divino ao mundo. Hoje isso deve ser traduzido no testemunho de que o mundo tem jeito e temos de manter viva a chama da utopia de um mundo novo possível. Em nosso meio, existem expressões de fé e de espiritualidade que parecem não ter nenhuma relação com a justiça. Não ligam piedade com o mandamento divino do repartir.
As Igrejas cristãs têm uma dívida histórica com a humanidade, por terem sido coniventes com impérios opressores. Desenvolveram um sistema religioso que se afastou do espírito do Evangelho da justiça do Reino de Deus. É urgente a conversão de cada um e cada uma de nós e das Igrejas, nessa reconstrução de um mundo dominado pela desumanidade e pelo desvínculo. O Advento é um tempo de esperança e preparação para corrigir esses “desvios”. Para vivermos a alegria de Deus próximo, precisamos nos comprometer com o projeto divino de justiça e paz. Como o Papa Francisco tem afirmado: há um fracasso da civilização. Precisamos reagir a isso e a resposta está em retomar os valores fundamentais do Evangelho.
Para que, nesse tempo de Advento, possamos nos alegrar com a proximidade de Deus e do seu reino, é preciso retomar o Evangelho, que revela: o eixo da fé é o projeto de justiça e de paz que sinaliza ao mundo que a manifestação do reinado divino está próxima. Todo ser humano tem direito e mais do que direito, é chamado por Deus a ser feliz e somos responsáveis pela construção da felicidade comum de todos e todas.
A felicidade que buscamos está ao nosso alcance: ela se revela no amor solidário e na vida em comunidade. O Evangelho de Jesus é uma Boa Nova de alegria e sua mensagem fundamental é que a verdadeira felicidade está no amor solidário como proposta de vida e jeito de viver e na construção de um mundo onde todos possam compartilhar essa alegria comum.
“Sou feliz
é na comunidade.
É na comunidade
que eu sou feliz”.