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Reflexão ao Evangelho do VI Domingo do Tempo Comum (Ano C) por Marcelo Barros

Ser felizes mesmo no meio de tanta dor – Lucas 6,17.20-26

Neste VI Domingo do Tempo Comum (Ano C), o evangelho lido nas comunidades cristãs nos traz um texto fundamental para a nossa fé: Lucas 6,17-26. Provavelmente, o evangelista coletou palavras que Jesus disse em diferentes momentos e as reuniu em um único discurso. As perspectivas a partir das quais Mateus e Lucas relatam as mesmas palavras de Jesus são diversas.

Mateus apresenta a proclamação das bem-aventuranças como o início do Sermão da Montanha (Mt 5-7), mostrando Jesus como o novo Moisés, que transmite a aliança de Deus para um novo povo, ampliado e aberto. Já as comunidades de Lucas tomam apenas algumas partes do discurso e o situa na planície, simbolizando a universalidade do anúncio como figura da extensão do mundo inteiro. Lucas resume as bem-aventuranças em quatro e acrescenta quatro lamentações – os chamados “ais” –, que não aparecem no evangelho de Mateus.

Nos versículos 17 a 19, Lucas situa o contexto social. Após descer a montanha com os doze apóstolos, na planície, Jesus se dirige a um povo adoecido e carente, que se reúne para escutá-lo e ser curado. O texto menciona que as pessoas vinham tanto da região judaica quanto de terras estrangeiras, refletindo a realidade das comunidades para as quais esse evangelho foi escrito, nos anos 80 do primeiro século. A ação terapêutica de Jesus se dá tanto pela palavra quanto pelo toque. No entanto, a sua proposta vai além da cura física de doenças: Ele aponta um novo caminho de vida, concretizado na prática das bem-aventuranças.

O judeu cristão André Chouraqui, profundo conhecedor da terra de Jesus e dos costumes da época, traduziu a expressão “bem-aventurado(a)” por “em marcha”, “para frente!” ou “a caminho”. De fato, na cultura em que Jesus viveu, a infelicidade era estar parado, estagnado. Em hebraico, a palavra para doença é “mahala”, que significa andar em círculo, estar preso, fechado em seu sofrimento, pensamentos ou emoções. É evidente que os que mais sofrem são aqueles que deixam dominar pelos sintomas e ficam paralisados ​​por memórias negativas ou por uma saudade idealizada do passado. Por isso, a bem-aventurança consiste, essencialmente, na disposição de dar um passo a frente.

Uma definição inspiradara de espiritualidade é: dar um passo além do lugar onde se está. No livro As Bem-Aventuranças (Vozes, 2004, pp. 57-58), Jean-Yves Leloup enfatiza: “Cada bem-aventurança é um convite para nos recolocar em marcha, a partir de nossas lágrimas, a partir do caminho que já percorremos. Ainda há muito a caminhar”.

As comunidades de Lucas proclamam como prediletas de Deus e amadas “as pessoas pobres, famintas e aquelas que choram”. São essas pessoas que o Evangelho convoca a se colocarem em marcha. A razão pela qual elas são abençoadas e felizes é que Deus não deseja que haja injustiças e desigualdades no mundo. São bem-aventuradas porque, com a iminente chegada do Reino de Deus ao mundo, poderão deixar de ser pobres, famintas e aflitas.

Ao utilizar os verbos no presente (“O Reino é de vocês”), Jesus não faz apenas uma promessa para o futuro. Suas palavras indicam que é possível ser feliz , mesmo em meio às lutas da vida.

Quando o Evangelho de Lucas registrou essas palavras de Jesus, as comunidades cristãs tinham sido testemunhas da guerra dos romanos contra os povos da Palestina. Houveram presenciado a destruição do Templo e viviam a repressão violenta do exército imperial, sob o governo do imperador Domiciano.

Nesse contexto, o anúncio das bem-aventuranças para as pessoas pobres e sofredoras poderia parecer insensato. De fato, qual seria a base histórica para afirmar que as vítimas da sociedade imperial seriam consoladas e, de alguma forma, experimentariam a alegria do reinado divino?

A realidade social e política não permitiam vislumbrar nenhuma saída esperançosa. Ainda hoje, como acreditar que a proclamação das bem-aventuranças não é apenas um ideal utópico, mas um anúncio de uma esperança real e possível?

O que significa proclamar bem-aventuranças às pessoas que estão marginalizadas e são vítimas de uma sociedade excludente? Será que essa proclamação realmente transformará a realidade?

De acordo com o projeto divino, ninguém deve aceitar injustiças e iniquidades de forma resignada, esperando apenas por uma recompensa no céu. Esse tipo de interpretação da fé legitimou do Cristianismo colonial escravagista.

A perspectiva das bem-aventuranças de Jesus segue um caminho oposto: anuncia que o tempo messiânico chegou e que as pessoas abandonadas e marginalizadas pelo mundo são as preferidas do Reino de Deus para transformar a realidade do mundo.

As pessoas pobres e excluídas não são bem-aventuradas por méritos próprios, mas simplesmente porque Deus as ama e deseja salvá-las. Deus sempre opta pelos marginalizados(as).

Na América Latina, a Teologia da Libertação nos ensinou a viver a comunhão com os pobres, mas contra a pobreza injusta. Agora, a Ecoteologia nos ensina que, para a sobrevivência da vida na Terra, precisamos transformar radicalmente nosso sistema de consumo. Os povos indígenas nos inspiram no paradigma do Bem Viver – um modelo que prioriza a comunhão entre os seres humanos e a natureza, promovendo o bem comum).

Segundo Lucas, da mesma forma que Jesus proclama bem-aventurados os pobres, famintos e aflitos, Ele também anuncia quatro lamentações. No Evangelho, Jesus estava na planície, cercado por uma multidão de pobres que veio para serem curados e libertados. Ali não havia ricos, mas, mesmo assim, Jesus proclama os “ais”:

“Ai de vocês, ricos e todos os que estão muito bem na vida…”

Certamente, Lucas se refere mais às elites de sua época do que a indivíduos específicos do tempo de Jesus. Nesse discurso, Jesus fala do presente e denuncia situações de injustiça. Ele reconhece que rebelar-se é justo, porque este mundo é absurdo.

Jesus articula a situação atual com uma visão mística do futuro, aberta à esperança do Reino – ou seja, a certeza de um mundo novo. Esse é o nosso caminho, para juntos sermos felizes.

Hora da Alegria

Zé Vicente

Chegou a hora da alegria

vamos ouvir essa palavra que nos guia

Tua palavra vem chegando bem veloz

Por todo canto, hoje se escuta a sua voz

Aleluia, aleluia

Nada se cria sem a força e o calor

Que sai da boca de Deus, nosso criador

Aleluia, aleluia

O mandamento de Deus é retidão

É luz nos olhos e prazer no coração

Aleluia, aleluia

Esta é a palavra da certeza

E da justiça que nos liberta

da opressão e da cobiça

Aleluia, aleluia

Bendita seja esta palavra do Senhor

Mel saboroso e alimento para o amor

Aleluia, aleluia

O céu proclama a tua glória, ó meu Deus

A Terra inteira canta um hino de louvor

Aleluia, aleluia